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Investigação, metafórica

26 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Xilogravura japonesa [Ukiyo-e] erótica [shunga] de Katsuhika Hokusai

Certa noite, Shizuka Kanai relembra em retrospecto a tomada de consciência da própria sexualidade. Vita sexualis, de Ogai Mori, acompanha essa linha de pensamento íntimo sob a forma de diário, ao longo de uma narrativa que é considerada patrimônio cultural pela Unesco, pois traça um panorama vasto da maneira como a vida íntima era tratada no Japão na década de 1910. Autobiográfica, a história acompanha o desenvolvimento sexual do protagonista, desde as mais tenras e inocentes experiências, aos seis anos, até seu encontro com uma cortesã profissional, aos vinte e um anos, quando sai do Japão para estudar na Alemanha. Toda a narrativa, porém, ocorre sob o signo da discrição tipicamente japonesa da época. A obra não tem o erotismo que seu título sugere, antes explora o conteúdo psicológico de observações e reflexões do protagonista.

O livro é mais do que uma lasciva novela erótica, sua riqueza, sobretudo enquanto história social, de valores e costumes, é notável. O protagonista, um professor de filosofia, tece com inquietude questões acerca do desejo sexual, da educação japonesa e sobre o lugar apropriado para a sensualidade. Com sua reflexão, o livro espelha parte interessante da vida cultural japonesa, sendo um importante relato sobre a moral no Japão dos últimos anos do período governado pelo imperador Meji, era que durou de 1867 a 1902 e que ficou conhecida pela rápida modernização e industrialização do país, alçando-o a uma potência econômica mundial.

Historicamente, um dos interesses da narrativa é perpassar a vida noturna de Tóquio e descrever o bairro de Yoshihara, que concentrava os prostíbulos da cidade, à época freqüentados somente por homens muito ricos. O livro descreve  as incursões por casas de chá, o mundo sensual das gueixas e as dinâmicas do omiai – a tradição japonesa dos casamentos arranjados. Outra marca histórica do livro são as marcas de aspectos da influência filosófica europeia no Japão.

O autor, Ogai Mori, quando publicou a obra, ocupava uma posição de destaque na medicina do Japão. Nascido em 1862, formou-se médico precocemente, aos dezenove anos. Partiu então do país por alguns anos para continuar estudando medicina na Europa. Ao retornar, dominava o inglês, o alemão e o francês e encontrou a literatura então desenvolvida no Japão com uma majoritária tendência naturalista, a qual Vita sexualis sutilmente satiriza.

Seu livro, ao ser lançado, foi quase que imediatamente censurado. A sociedade japonesa era ainda extremamente conservadora e Mori pôs em risco sua prestigiosa carreira ao publicar seu texto. Chegou a ser oficialmente advertido pelo Vice-Ministro de Guerra do Japão.

A edição da Estação Liberdade é a primeira da obra em português. A tradução cuidadosa feita por Fernando Garcia é considerada ótima. O tradutor é responsável também pelas ricas observações e explicações no elucidativo e rico texto de apresentação, que facilita o entendimento dos leitores não familiarizados com a literatura japonesa.

 

 

 

VITA SEXUALIS

Autor: Ogai Mori
Editora: Estação Liberdade
Preço: R$ 23,80 (136 págs.)

 

 

 

 

 

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