história

Levando água pelo peito

28 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

A Companhia das Letras reeditou no final do ano passado Monções, estudo de Sérgio Buarque de Holanda, publicado originalmente em 1945, a respeito das expedições coloniais portuguesas pelos rios do sudeste e centro-oeste brasileiro, nos séculos XVIII e XIX.

Esta nova edição acrescentou ao livro um segundo volume, Capítulos de expansão paulista, uma coletânea, de organização inédita realizada pela historiadora Laura de Mello e Souza André Sekkel Cerqueira, de fragmentos do projeto do autor de ampliar o texto de Monções, com novas informações recolhidas ao longo de pesquisas posteriores, realizadas em Cuiabá e Lisboa. O título faz alusão a uma série de escritos inacabados de Sérgio Buarque de Holanda, como Capítulos de literatura colonial e Capítulos de história do Império.

Os percursos fluviais atravessados pelas monções, por exemplo, pelo Rio da Prata e Rio Paraguai, tinham a vantagem de serem bons meios de se chegar até o interior do país. As expedições buscavam sobretudo metais preciosos e outras riquezas imediatas e foram responsáveis pelo desbravamento de uma grande dimensão territorial brasileira. O livro Monções reconstitui todo o processo de adaptação dos portugueses nessas ásperas empreitadas e seu resultado: a interpenetração das forças naturais às forças humanas como formação da sociedade e da cultura paulistas

O texto de Holanda é conhecido por aliar uma compreensão história profundamente complexa a uma habilidade narrativa envolvente.

A organizadora, como conta em artigo escrito ao jornal Folha de São Paulo a jornalista Sylvia Colombo, diz que, quando era estudante de história na USP, na década de 70, “intrigava-se com o fato de o já então renomado e veterano professor Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) andar com pequenos pedaços de papel rabiscados e amassados no bolso. Quando lhe perguntava em que andava trabalhando, ele respondia: “Estou reescrevendo ‘Monções’”. Laura de Mello e Souza diz: “Me impressionava por um lado o fato de alguém de idade avançada ainda estar se dedicando a pesquisas de longo prazo. Por outro, que se preocupasse em reescrever um livro que já havia sido lançado havia 30 anos e era considerado canônico”. Segundo ela, a partir “de um certo momento, a documentação relativa a ‘Monções’ cresceu tanto que ele pensou em transformar tudo num novo e mais completo livro. Mas não deu tempo”.

Esta nova edição de Monções manteve-se conforme à primeira versão do livro. O volume Capítulos de Expansão Paulista, inclui todos os trechos reescritos, além dos escritos inéditos encontrados no arquivo do autor, como, por exemplo, a justificativa do autor à Fapesp, para o pedido de auxílio à reedição de Monções, que tentaria “esclarecer em alguns de seus aspectos mais significativos a formação da unidade nacional através da ligação das bacias do Prata e do Amazonas”.

Laura de Mello e Souza, em artigo escrito à Folha de São Paulo em 1995, pontuava a relevância de Monções como marco historiográfico na carreira de Holanda, um estudo que une uma ampla análise a uma pesquisa minuciosa: “Monções foi publicado pela primeira vez em 1945, e Caminhos e Fronteiras reuniu, doze anos depois, ensaios escritos nesse meio tempo. Mais de um especialista aludiu ao papel de divisor de águas representado pelos dois livros, que documentam o nascimento de um Sérgio eminentemente historiador, às voltas com os arquivos e a pesquisa sistemática de fontes primárias, e o abandono do ensaísmo mais sociológico de Raízes do Brasil. Segundo Mello e Souza, a antropologia foi um viés importante para a reflexão histórica de Holanda, sobretudo pela análise cultural como meio de compreensão dos processos históricos. No mesmo artigo, ele faz uma breve e precisa apresentação da estrutura e da originalidade da obra: “No plano o mais genérico possível, o objeto de Monções e Caminhos e Fronteiras é a história dos paulistas antigos: populações mamelucas que viviam a cavaleiro de duas culturas, equilibrando-se na tensão entre mobilidade – o caminho, a penetração fluvial (monção) – e sedentarização – a fronteira, onde tradições de natureza diversa se combinavam, produzindo técnicas, costumes, atitudes, artefatos. Do ponto de vista metodológico, o autor busca compreender, em toda a sua complexidade, o mecanismo das trocas, sínteses e soluções culturais. Não se trata de constatar difusão de traços, mas de perceber que a forma assumida por tais traços foi definida pela situação histórica: esta é, afinal, a prova dos nove de todo o processo. Por fim, no plano mais circunscrito, a análise incide sobre a vida material – viés de que parte a compreensão mais funda, restabelecendo-se, assim, o percurso de volta do particular ao geral. Em Monções, o autor destaca o fabrico das canoas – que o acidentado das viagens acabou por tornar cobertas –, a utilização dos rios como caminhos – introduzida pelos paulistas e imitada posteriormente no extremo Norte –, a adoção de roupas simples e rústicas, a configuração de uma dieta alimentar definida a partir das contingências da itinerância – o milho, cujas sementes eram de transporte fácil e germinação rápida; o toucinho, que se conservava bem”.

Sérgio Buarque de Holanda se, por um lado, explica detalhadamente os passos de construção de balsas e jangadas, também reconstitui, com ímpar qualidade literária, a solidão e a valentia daqueles homens que andavam “levando água pelo peito”.

A Companhia das Letras disponibiliza um trecho para visualização.

 

 

MONÇÕES E CAPÍTULOS DE EXPANSÃO PAULISTA

Autor: Sérgio Buarque de Holanda
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 65,03 (624 págs.)

 

 

 

 

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