Delírio de Damasco, de Veronica Stigger, é uma reunião de fragmentos de conversas alheias, ouvidas ao acaso pelo caminhante urbano. Segundo a autora, o livro forma uma “espécie de arqueologia da linguagem do presente, em busca da poesia inesperada − dura ou terna, ingênua ou irônica − que pudesse haver em meio a nossos costumeiros diálogos sobre a tríade sangue, sexo, grana”.
Como aponta Flávia Cera, na apresentação do livro: “É difícil passar indiferente à leitura dos textos de Veronica Stigger. Seja pela forma ou pela força de seus textos, seja pelo contorcionismo ou despedaçamentos dos corpos que os habitam. Em Delírio de Damasco, não é diferente. Nele, Veronica se arrisca em uma literatura-limite. No limite da ficção, da narrativa, do sentido, no limite da literatura”. Segundo Cera, a “plasticidade dos resíduos, os restos de conversas, de exclamações, de perguntas que sobrevivem no Delírio de Damasco atuam pelo mecanismo da sugestibilidade que potencializa futuras histórias, microcosmos, “mitos menores” […] Os pequenos fragmentos […] seguem o procedimento de esvaziamento do sentido e economia da linguagem, uma economia libidinal da linguagem, com o qual Veronica vem marcando, com extrema contundência, suas histórias”.
Segundo Eduardo Sterzi, “para Veronica Stigger – que, além de escritora, é também historiadora da arte especializada nos períodos moderno e contemporâneo –, qualquer oposição entre o domínio literário e o domínio artístico há muito deixou de ser óbvia. Desde o seu primeiro livro, O trágico e outras comédias, de 2003, ela parece querer recuperar e levar adiante, a seu modo e com atenção ao seu tempo, aquela ambição que um dia foi romântica, e depois modernista, de fazer a literatura extrapolar os âmbitos tradicionalmente reservados a ela, de modo a se confundir com a vida. Isto é: sua obra, desde o início, parece aspirar a uma presença física no mundo – a uma consistência material e a um impacto estético – que os textos literários, em suas esferas convencionais de circulação, não têm, senão em segundo plano ou metaforicamente”. Segundo o crítico e poeta, em Delírio de Damasco, o “experimento de uma escrita do alheio é reproposto à luz da noção duchampiana de readymade, assim como em consonância com uma espécie de tradição subterrânea da literatura brasileira, que, de Oswald de Andrade a Francisco Alvim, mas incluindo diversos outros escritores, destitui a voz autoral de sua autoridade (o autor não é mais, no sentido forte da palavra, autor) para encontrar a poesia nas vozes dos outros. “A gente escreve o que ouve – nunca o que houve”, anotou Oswald, o mesmo Oswald que, no Manifesto antropófago, dissera: “Só me interessa o que não é meu”. Significativamente, ao transformar as placas em livro, com o título de Delírio de Damasco (2012), Veronica Stigger adotou a primeira frase como epígrafe”.
Em entrevista à Revista Continente, à pergunta sobre a diferença entre publicar seus livros através de uma grande editora, como a CosacNaify, ou por uma editora independente, como a Cultura e Barbárie, pela qual publicou Delírio em Damasco, Stigger analisou: “No que diz respeito à liberdade de criação, não vejo diferença. A diferença está no processo de produção e na forma de distribuição e circulação do livro. Numa editora independente, é possível realizar um livro mais artesanal, costurado à mão, como é o caso de Delírio de Damasco. Quanto à circulação, esta é mais restrita, até em função da tiragem reduzida. O livro é geralmente vendido apenas nos sites das editoras, e isso faz com que ele se torne um objeto quase secreto – ainda mais se levarmos em conta que, em geral, os jornais e as revistas infelizmente não se interessam pelas publicações das editoras independentes. Me agrada muito este caráter secreto, de certo modo marginal, que o livro adquire. Publicar ao mesmo tempo numa editora relativamente grande e em editoras independentes é, a meu ver, uma atitude política”.
Autor: Veronica Stigger
Editora: Cultura e Barbárie
Preço: R$ 30,00 (80 págs.)