Tempestades de aço foi a obra de estreia de Ernst Jünger, considerada por André Gide como a mais bela da literatura de guerra. O livro une ficção a anotações dos diários do autor, a vida nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, perpassando toda a trajetória de Jünger dentro do exército alemão, comentando seus companheiros, as batalhas e os ferimentos. A narrativa, apesar do tema difícil, é poética e envolvente. Esta edição brasileira, publicada no ano passado pela CosacNaify, foi traduzida por Marcelo Backes, tem texto de orelha de João Barrento e conta também com ilustrações selecionadas dos diários de guerra do autor.
Segundo comentário de Nelson Ascher, a Primeira Guerra Mundial “mudou profundamente a visão de mundo do homem moderno. Os principais agentes dessa mudança foram escritores, poetas, jornalistas, artistas plásticos, dramaturgos que participaram em alguma medida da ação. Uma década após o fim das hostilidades, autores de todos os países envolvidos já haviam publicado relatos, diários, memórias, polêmicas e romances. Um dos primeiros e talvez o melhor de todos foi uma narrativa a um tempo pessoal e friamente objetiva, Tempestades de aço, escrita por um jovem oficial alemão, Ernst Jünger, que se alistara, entusiástico, tão logo eclodira a guerra”. De acordo com o crítico, o livro, resultado “de diários seguidamente revistos e retrabalhados pelo autor, Tempestades de Aço é mais seco e factual, além de menos meditativo e poético. […] Na raiz desse testemunho, mais que a mente, está a carne do autor”.
Para Luiz Horácio, em resenha escrito ao Jornal Rascunho, cita a seguinte passagem: “De todos os lados, brotavam feridos no mato bombardeado, atraídos pela possibilidade de se protegerem. A entrada da vala estava horrível, abarrotada de feridos graves e moribundos. Uma figura nua até a cintura, de costas abertas por um ferimento, apoiava-se à parede. Outro, com um naco triangular de cérebro pendurado no crânio, não parava de berrar de forma estridente e tocante. Ali imperava a grande dor, e pela primeira vez eu vislumbrava as profundezas de seu reino através de uma fresta demoníaca. E as explosões não paravam”. E, a partir dela, comenta: “Tempestades de aço é de uma crueza assustadora. Ao mesmo tempo, de uma monotonia exemplar: descrever e descrever bombardeios, ataques e suas consequências. O que muda, de vez em quando: o tamanho da ferida, apenas. Jünger, que de bobo não tinha nada, colocou algumas pitadas de lirismo polar e conseguiu amenizar um pouco a brutalidade, o grotesco de sua narrativa. A selvageria do campo de batalha contrastando com a indiferença daquilo que há de mais puro, nobre e assustador”. O crítico aponta que “Tempestades de aço foi originalmente lançado em 1920. Em 1939, seria publicado, de Jünger, Nos penhascos de mármore, alegoria onde o autor denuncia a chegada da barbárie: um erudito gasta seus dias observando a natureza, enquanto um tirano aterroriza aquela região. O mea culpa de Ernst Jünger — este sim, um livro a merecer repetidas leituras”. Horácio ainda polemiza: “Repare bem na dupla que segue: o jurista Carl Schmitt, ideólogo do Estado Total, e Martin Heidegger, autor de Profissão de fé em Adolf Hitler, em que descreve o Führer como o instante de “retorno à essência do ser”. (E muitos defendem Heidegger.) Ernst Jünger completava o trio assombroso. Esses grandes amigos — amizade também ancorada em convicções políticas — tornariam a se encontrar em 1955 por ocasião do aniversário de Jünger. Tão amigos e só o inocente do Jünger não era nazista. Era meio nazista. Conte outra”.
A CosacNaify disponibiliza trecho para visualização.
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Quem tomba fica ali, deitado. Ninguém pode ajudar. Ninguém sabe se voltará vivo. Apesar de atacarem todos os dias, eles não conseguem passar; e os que não os deixam passar sabem que é uma questão de vida ou morte.” Nada mais restava naquela voz a não ser uma grande indiferença; ela havia sido calcinada pelo fogo. Com homens assim se pode lutar.
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Autor: Ernst Jünger
Editora: CosacNaify
Preço: R$ 41,30 (346 págs.)