lançamentos

Recife de metáforas

8 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Um interessante livro sobre a constante transmutação das línguas, O desenrolar da linguagem, de Guy Deutscher, chega ao leitor brasileiro pela Mercado de Letras, com tradução de Renato Basso e Guilherme Henrique May.

Deutscher, lingüista, investiga o papel da metáfora, enquanto meio para a evolução e transformação da linguagem. O livro desenvolve-se de uma maneira simples, com exemplos precisos.

Para o autor, a linguagem é “um recife de metáforas mortas”, pois usamos palavras cujo significado original perdeu-se com o tempo: tão usadas em sentido diferente, já ninguém mais se lembra do significado original. As mudanças lingüísticas são, portanto, naturais e incontingentes, segundo Deutscher.

Pensando o desenvolvimento das línguas humanas, o autor defende que a linguagem não foi inventada, pois é resultado de um longo processo evolutivo, quase sempre inconsciente, acompanhado pelo progressivo desenvolvimento do cérebro. A partir do momento em que fomos capazes de pensar em coisas ausentes, abstratas, passadas, hipotéticas, as pudemos representar simbolicamente.

De acordo com Marcos Nogueira, em artigo: “Grosso modo, as coisas do mundo físico adquirem sentido figurado e, à medida que as palavras se distanciam do significado concreto, formam partículas auxiliares que enriquecem as estruturas gramaticais. Palavras referentes à língua, à garganta ou à boca ganham o significado de fala. Na falta de um termo próprio para arrancar o couro de um animal, usa-se aquele pelo qual se chama a pele: assim nascem verbos como “pelar”. Na contramão, uma palavra de ação se transforma em substantivo abstrato: “correr” dá origem a “corrida”; “caçar”, a “caçada”; e assim por diante. Como rochas são duras, o vocábulo que designa “pedra” pode vir também a simbolizar a qualidade de “duro”. Que, por analogia, passa a significar “difícil”. Pronomes, como “eu” e “ela”, nascem das tais palavras indicadoras – em última análise, convenções para distinguir o próximo do distante, o familiar do estranho, o meu do seu”. O artigo desenvolve a questão: “Um dos mitos mais poderosos da nossa civilização é a queda da torre de Babel. […] O mito espelha o caráter indômito da linguagem: ainda que um dia a humanidade houvesse compartilhado o mesmo idioma, a manutenção de tal situação seria impossível. Mas de onde vem essa natureza incontrolável? Se não há linguagem sem a mente, é de lá que saem muitas das pressões que fazem uma língua se transformar constantemente”.

Sobre a tradução, no prefácio à edição brasileira, Deutscher elogia: Traduzir qualquer livro de uma língua para outra é difícil. Traduzir um livro sobre as línguas é um desafio duplamente maior. Traduzir um livro sobre as línguas que se vale constantemente de exemplos de diversas línguas para demonstrar seus argumentos principais… é uma missão quase impossível. Eu gostaria de agradecer meus dois excelentes tradutores, Renato Basso e Guilherme May, não apenas por sua coragem em embarcar nessa tarefa tão difícil, mas pela forma esplêndida como a realizaram e como solucionaram muitos problemas aparentemente insuperáveis”.

Em 2011, o caderno Ilustríssima, da Folha de São Paulo, publicou uma tradução de longa seleção de trechos do livro, realizada por Paulo Migliacci.

A Mercado de Letras disponibiliza trecho para visualização:

 

O DESENROLAR DA LINGUAGEM

Autor: Guy Deutscher
Editora: Mercado de Letras
Preço: R$ 60,20 (488 págs.)

 

 

 

Send to Kindle

Comentários