Literatura

Mecanismo de sonhos

11 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

O livro As Miniaturas, de Andréa del Fuego, é uma mistura de devaneio e sonho ao rigor das estruturas sóbrias e funcionais dos sistemas burocráticos, bem como às fendas interrogativas que podem ser geradas por equívocos nestes sistemas. Ironia lúdica, ou labirinto em que retumba a própria dimensão do onírico: a estrutura burocrática funcional do livro gira em torno de uma máquina de sonhos. A literatura fantástica de Andréa del Fuego joga com ecos da burocracia kafkaniana numa tonalidade lírica; devolve constantemente a dúvida sobre os limites da realidade.

Andréa venceu o prêmio José Saramago em 2011 com seu livro de estreia, Os Malaquias, sobre o qual ela disponibiliza alguns detalhes de seus “bastidores” em seu blog – um texto sincero, pessoal e comovente que Andréa escreveu a pedido do “ótimo” (sua definição) suplemento cultural “Pernambuco”, do Diário Oficial do Estado.

Antes de premiada, Andréa publicou o irreverente conto Como ganhar um Jabuti e então, nem sonhava ganhar prêmios literários, como disse em entrevista à revista Cult: “[…] eu tirava um sarro dos escritores que sempre tentam grandes editoras; que tentam conseguir leitores entre escritores, o que é difícil; que veem o prêmio como uma coisa que pode abrir as suas portas; então, de repente, ganhar o prêmio para ser publicado – será que primeiro você não tem que ser publicado para ganhar um prêmio? Era mais uma investigação para saber como é que funciona essa área, afinal de contas”. Na mesma entrevista, sobre o livro As miniaturas, ela conta que sua principal inspiração veio da filosofia antiga: “Eu comecei a fazer uma graduação em Filosofia e entrei em contato com um grego do século II, Artemidoro, por isso o edifício se chama Edifício Midoro Filho”. Artemidoro, propondo uma ontologia onírica, escreveu um manual de interpretação dos sonhos que, segundo Andréa, “teria sido referência de Freud séculos depois, é um livro deslumbrante. É um manual mais ou menos assim: se você sonha com uma mulher e ela é rica, significa certa coisa; se ela é pobre, tem outro significado; se ela está grávida e pobre, um terceiro. Eu fiquei muito impressionada com essa forma tão pragmática de ver o sonho, e com a divisão que ele faz da interpretação: há sonhos que são mensagens e sonhos que são uma finalização fisiológica mesmo. E aí eu resolvi fazer um edifício não com figuras que interpretassem, mas que sugerissem sonhos. E em vez de esses sonhos evidenciarem as pessoas, as pessoas influenciam o que acontece no mecanismo do sonho”.

Em outra entrevista, ao blog “Máquina de escrever”, do jornalista Luciano Trigo, Andréa disse: “Sinto-me ligada não aos escritores que de alguma forma trabalham com a fábula ou componentes de realismo mágico, mas me sinto ligada ao confuso conjunto contemporâneo, que é identificado pela pluralidade e a diversidade de temas e vozes”.

 

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— A senhora conhece sonho? — Não tem segredo, é como filme, tem uns com final que a gente entende e outro não. Tem filme que a gente não entende nem o começo. Só vale se a gente entende.

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AS MINIATURAS

Autor: Andrea del Fuego
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 23,80 (136 págs.)

 

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