matraca

Somente a morte é passageira

28 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Alberto Szpunberg é um poeta argentino. Recebeu na Espanha o Prêmio de Poesia da Universidade de Alcalá, em 1983, e, em 1994, o Prêmio Internacional de Poesia Antonio Machado. Sua obra já foi traduzida para o polonês, alemão, tcheco e francês.

A editora argentina Entropía acaba de lançar em um volume sua poesia reunida, sob o título Como sólo la muerte es pasajera. Segundo o poeta Juan Gelman, “a obra reunida de Alberto Szpunberg mostra como sua poesia se ramificou como uma árvore de esplêndida folhagem de galhos consistentes. Este grande poeta consegue desbravar os lados mais obscuros da palavra que vem do real e ele a devolve carregada de beleza e de verdade. Essa publicação é um acontecimento que nenhum amante da poesia pode relevar. Seria um esquecimento imperdoável de si mesmo”.

A edição comemora 50 anos da publicação do primeiro libro de poemas de Szpunberg, Poemas da mão maior. Conta com os dez libros publicados pelo poeta até hoje, além de cinco trabalhos inéditos, compostos nos últimos anos.

A poesia de Szpunberg contém muito de sua história pessoal, marcada pela militância, pelo exílio, pelo peso da distância e pelo regresso a Buenos Aires, articulando o destino individual ao coletivo. Seu lirismo é político e passional. Por sobre as árvores que há tempo existiam no povoado, das trincheiras de si mesmo, buscando o mais humano dos humanos, coloca com exatidão a questão militante trágica:“Entre tantas perguntas sem resposta, uma será respondida: que revolução compensará os danos aos homens?”. Para ele, a poesia sempre incita a rebelião.

Ao ser questionado, numa entrevista, sobre como sabe quando um poema acaba, Szpunberg mostra sua sensibilidade: “Quando soa que terminou. É um questão de ouvido interior. Sabe que existe a voz interior? Até há um diálogo no Fédon, de Platão, em que Sócrates fala de uma voz que ele associa com a música, porque a considera a arte superior. Ele fala que sentia uma música interior que o movia. Claro que depois isso fica relegado a uma história infantil, pelo menos na versão que Platão dá de Sócrates, que logo passa ao logos. Existe essa voz interior. Quando não sinto essa voz, não escrevo. Por isso é um momento tão prazeroso corrigir um poema, porque se vai afinando detalhes. Afina-se um pouco o violino, depois o contrabaixo, o piano e em que tom tocarão: se em Lá maior ou em Lá menor. É assim, pelo menos na minha experiência”.

 

_____________

Trecho:

I

Oscuras huellas nunca sólo mías
en el patio donde la noche aún permanece,
y alguien lo sabe, ella lo sabe,
como sabe también de las macetas
al aire ligerísimo
de la muerte nunca desmentida,
algunas sombras apenas,
como los lazos de amor siempre pendientes,
inagotables ellos, delicados,
en la luz de qué memoria, infinitos.

 

II

Por el sendero que lleva hasta las casas,
piedra sobre piedra,
sube el sueño de los justos:
un escalón tras otro,
y otro y otro y otro,
presentes los días, venideros,
y todo cada vez más cierto,
como un río siempre desbordado
por cauces imprevistos,
y de pronto el fulgor, tu mano en mi mano,
las primera bendición de la lluvia.

III

Cualquier palabra guarda silencio
contra la pared donde se apoya el brazo
que ciñe la desconsolada frente:
el revoque caído descubre un rostro antes oculto,
desencajado ahora, polvoriento,
pero que en la palma de las manos deja huellas
donde aún palpita el ser amado,
como un trabajo, tenaz,
como una verdad, irrepetible.

IV

Habito esta casa,
pero vivo a la sombra del otro lado.

¿Quién llama a la puerta
si no la propia espera de mí mismo,
el apremio de las vigas,
el crujido de la madera?

Lo sé:
aunque nunca hubiera ocurrido,
yo entreabrí una vez unos párpados que aún me miran
y la clara pupila, como un pequeño charco,
ya reflejaba un cielo inexistente.

¿Por qué ojos miro ahora cuando no veo?

_____________

 

 

COMO SOLO LA MUERTE ES PASAJERA

Autor: Alberto Szpunberg
Editora: Entropía (Argentina)
Preço: R$ 49,28 (466 págs.)

 

Send to Kindle

Comentários