Artes Plásticas

Multitrilhas. Multipistas.

3 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Hélio Oiticica veste o Parangolé

Hélio Oiticica veste o Parangolé

A trajetória de Hélio Oiticica, um dos mais relevantes artistas de vanguarda do século XX, é aqui analisada com estilo perspicaz pelo poeta Waly Salomão. O livro Hélio Oiticica: qual é o parangolé? – E outros escritos traça, portanto, um encontro de gênios, cuja naturalidade de diálogo foi beneficiada pela proximidade dos dois interlocutores, amigos.

“Não tive nenhuma reverência dogmática pelo artista, mas sim a visão de um cúmplice que compartilhou algumas das histórias”, disse Salomão, à época da publicação da primeira edição do texto, em 1996. O poeta na década de 1960 chegou a morar na casa da família Oiticica. Waly acompanhou de forma estreita os trabalhos e reflexões de Hélio Oiticica através de uma intensa troca de cartas poéticas durante os anos 1970.

O poeta atuou como conselheiro do acervo de Oiticica e editor de seus textos. Por outro lado, Waly disse em entrevistas e depoimentos, conforme aponta Frederico Oliveira Coelho, em artigo publicado na revista Sibila, “que foi Hélio, ainda em 1970, o responsável pela sua “profissionalização” ao ler seus primeiros escritos e incentivá-lo a investir na poesia, propondo inclusive a publicação de um livro (que sairia em 1972 com o título Me segura que eu vou dar um troço, pela José Álvaro Editores)”.

Segundo o poeta Antonio Cícero: “Poucos entenderam a obra de Hélio Oiticica como o poeta Waly Salomão, contemporâneo, interlocutor e grande amigo do artista”.

“Qual é o parangolé?”, explica Waly Salomão em certo momento, no perfil de Hélio Oiticica, “era uma expressão muito usada quando cheguei da Bahia para viver no Rio de Janeiro, e significava ‘O que é que há?’”. A mesma fluidez da gíria do morro aparece nos parangolés criados pelo artista, objetos abertos à contingência e ao movimento.

Waly diz: “[…] aprendi que a peculiaridade da expressão é ser apenas aproximativa. Por isso valho-me tanto da paráfrase e do recurso paródico. E, mormente, das mesclas estilísticas que se revelaram necessárias para resgatar, mimética e heterodoxamente, o movimento da unicidade vida-obra do Hélio Oiticica. Alternância de mimeses e semioses. Saltar as brechas e preencher os pontinhos inventivos; outras vezes, salientando os pontinhos da intermitência descontínua. (De tanto ver triunfar a ideia de intertextualidade quis fazer um experimento radical: defronte da tela acesa do computador, sentava-me com algum livro previamente selecionado e relacionado mesmo que lateral ou remotamente ao tema, começava a escrever tomando-o como plataforma de lançamento — uma espécie de Cabo Canaveral — seja assimilando-o ou adulterando-o. Tente. Recomendo. Recomendo, principalmente, a adulteração de um texto inicial)”.

O poeta e ensaísta Flávio Boaventura, em artigo publicado na revista Zunái, fala de um “fluxo intersemiótico – ‘meândrico’ – cultivado pelo poeta”, e cita entrevista em que o poeta disse: “Hélio (Oiticica) e depois Lygia Clark, quando voltou de Paris, foram importantes para aumentar minha separação dos literatos. Eu nunca tive grandes aproximações de poetas e literatos, e sim de artistas plásticos”. Segundo Boaventura, “não é por obra do acaso que sua antologia O mel do melhor (que ele próprio organizou) foi dedicada a Hélio Oiticica como prova de amizade e admiração recíprocas. Vale a pena conferir na íntegra a dedicatória:

Nem de longe
nenhum estímulo foi mais determinante
para o surto da minha produção poética
– pedras de tropeço transmudadas em pedras de toque –
do que o convívio com Hélio Oiticica.
Mitopoético propulsor:
quero crer
que o grande jogador pedra noventa
vibraria
por não ter apostado em vão.
Pedras de tropeço transmudadas em pedras de toque.
Aqui o meu preito de gratidão
e amor”.

 

A Companhia das letras acaba de lançar esta edição caprichada. Há um trecho disponível para visualização.

 

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“Um estilo enviesado é o que vou abusar aqui, uma conversa entrecortada igual ao labirinto das quebradas dos morros cariocas, zigue-zague entre a escuridão e a claridade. Lama, foguete, saraivada de balas, ricochete de bala, vala a céu aberto, prazer, esplendor, miséria. Igual a um labirinto e a arte proverá dos barracos das favelas do Rio de Janeiro. Variedade de elementos e, principalmente, ambiguidade de tratamento. Escrever tateando como se experimentasse saber das coisas que não se sabia ainda que se sabia. Os materiais heteróclitos, multiformes, almejando um sentido esperto de forma. A passagem do caos ao cosmo e a rara capacidade de se esvaziar de novo e retraçar o caminho inverso, do cosmo ao caos. De modo que é o processo criativo total que é ativado impedindo o fetichismo coagulador da obra feita”.

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walYsalomão

 

HÉLIO OITICICA: QUAL É O PARANGOLÉ? – E OUTROS ESCRITOS

Autor: Waly Salomão
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ ,00 (160 págs.)

 

 

 

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