cinema

O poeta entre crônicas e críticas

9 maio, 2016 | Por Isabela Gaglianone

cena de “O Encouraçado Potemkin”

Guilherme de Almeida (1890-1969), além de poeta modernista, ensaísta, tradutor e jornalista, foi um dos mais destacados críticos de cinema no Brasil.

A editora Unesp acaba de lançar a reunião deste trabalho crítico, no volume Cinematographos – Antologia da crítica cinematográfica, cuidadosa edição organizada por Donny Correia e Marcelo Tápia.

A crítica cinematográfica é uma vertente hoje quase desconhecida da produção do poeta. Neste volume, ela é representada por 218 textos, publicados entre 1926 e 1942 no jornal O Estado de S. Paulo. Através deles, revive-ase o período de transição entre o cinema mudo e a “arte do movimento silencioso” e o filme falado. Também perpassa-se a fecunda presença dos cinemas em São Paulo nas primeiras décadas do século XX e sua introdução enquanto relevante elemento do cotidiano cultural da cidade.

Entre crônicas e críticas, Guilherme de Almeida investiga a força sedutora da arte cinematográfica, quer a encontre no humor satírico de Tempos Modernos, ou no profundo movimento silencioso de O Encouraçado Potemkin.

Em resenha publicada pelo Jornal da USP, Claudia Costa cita, do organizador Donny Correia, a opinião de que o livro cumpre duas funções: “colocar em evidência o papel crucial que o poeta Guilherme de Almeida exerceu no contexto da historiografia da crítica cinematográfica no Brasil (…) e documentar o essencial de sua atuação como crítica de cinema e possibilitar a compreensão de seu ponto de vista a partir da análise fílmica que empreendia a cada texto seu”. Para ele, Almeida adentra “a sessão Cinematographos, do jornal O Estado de S. Paulo, em novembro de 1926, até então uma nota de rodapé cuja função era informar ao leitor quais filmes estavam em cartaz em tais cinemas e em tais horários, e a transforma num espaço de reflexão diária sobre as produções que o leitor havia visto, ou veria, instigado pelos comentários”. Claudia Costa também cita o organizador Marcelo Tápia, para quem, ao “ver e comentar as produções como obras de uma arte nascente, defendendo sua importância e sua especificidade (…) Guilherme demonstrava, em sua coluna, uma visão que transcendia a circunstância, alçava voos para alcançar o horizonte, enxergar, no ‘calor da hora’, o significado de uma obra no curso da arte: em O Encouraçado Potenkin, de S. M. Eisenstein (em cujo nome lia ‘Sua Majestade’ do cinema), por exemplo, o crítico divisou ‘um filme definitivo. Ele define o cinema como o cinema devia sempre ter sido definido: a Arte do movimento silencioso’”.

Almeida acreditava tanto no cinema como arte, sobretudo como “arte do movimento silencioso”, que chegou a subestimar o futuro do cinema sonoro. Porém, apesar de apegado ao cinema-arte que defendia – cujo silêncio era mais efetivo, com a “atitude e a máscara”, a “dizer mais, muito mais do que a pobre palavra humana…” -, fez a apreciação crítica de filmes falados e deixou-se reconsiderar o papel da palavra no cinema. Assim, acabou por desenvolver um pensamento crítico sobre cinema pioneiro no país, escrevendo não apenas análises críticas dos filmes, mas também refletindo acerca desta nova mídia que florescia. Já deduzia o rompimento irreversível, no cinema, entre arte e indústria.

No dia 5 de fevereiro de 1927, ele escreve o seguinte: “[…] o República vai exibir A Última Gargalhada (de Murnau) – um trabalho extraordinário da UFA, com Emil Jannings – filme que marca oinício de uma nova era na técnica cinematográfica: a reintegração do cinema em si mesmo, isto é, da verdadeira arte muda. Em contraposição a este filme, para que o público coteje as duas artes – a tedesca e a yankee -, o Sant’Anna fará passar na sua tela uma grandiosa produção da First National, O Novo Mandamento com essa doce e branca Blanche Sweet e, mais, com Ben Lyon, Holbrook Blinn e George Cooper”.

Guilherme de Almeida foi um dos fundadores da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde lecionou Ciência Política. Ele foi também um dos fundadores da Revista Klaxon, dedicada a divulgar ideias modernistas. Almeida foi quem realizou a capa e os arrojados anúncios da Lacta, para a Revista. Ele também elaborou a capa da primeira edição do livro Paulicéa Desvairada, de Mário de Andrade. É notória sua participação no grupo verde-amarelista; em suas colaborações com a Revista de Antropofagia, publicou poemas-piada à moda de Oswald de Andrade.

O poema “A Carta Que Eu Sei de Cor”, de Guilherme de Almeida, publicado em seu livro Era uma vez, foi, em 1930, declamado na Faculdade de Letras de Coimbra na importante conferência “Poesia Moderníssima do Brasil”, que foi posteriormente publicada na revista Biblos [Faculdade de Letras de Coimbra), Vol. VI, n. 9-10, Coimbra, Setembro e Outubro de 1930], bem como no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, em 1931.

Guilherme de Almeida foi o primeiro modernista a entrar para a Academia Brasileira de Letras, justamente em 1930. Em 1958, foi coroado o quarto “Príncipe dos Poetas Brasileiros” – concurso promovido pela revista Fon-Fon -, depois de Bilac, Alberto de Oliveira e Olegário Mariano.

 

Ambos organizadores da antologia são poetas. Donny Correia é também cineasta, mestre e doutorando em Estética e História da Arte pela USP, além de bacharel em Letras – tradutor e intérprete pelo Centro Universitário Ibero-Americano (Unibero). É coordenador de programação da Casa Guilherme de Almeida. Marcelo Tápia, é também tradutor, ensaísta e professor, graduado em Letras (Português e Grego) e doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP. É, atualmente, professor pleno do Tradusp – Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da FFLCH-USP. Dirige o museu Casa Guilherme de Almeida – Centro de Estudos de Tradução Literária, em São Paulo.

 

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“Há quem negue seja o cinema uma arte. Por quê? – Porque ele é novo demais, é ainda muitos de nossos dias que possamos julgar desassombradamente”.

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CINEMATOGRAPHOS – ANTOLOGIA DA CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA

Autor: Guilherme de Almeida – Donny Correia e Marcelo Tápia (orgs.)
Editora: Unesp
Preço: R$ 66,50 (679 págs.)

 

 

 

 

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