“ […] exprimir a significação a um só tempo concreta e essencial do mundo” – Bazin, “Ontologia da Imagem Fotográfica”.
Cao é o primeiro livro a reunir em que o artista e cineasta Cao Guimarães trata do conjunto da sua obra. Neste volume, ele repassa de maneira intensa seu arquivo fotográfico, para construir uma nova leitura do seu próprio trabalho. O resultado é muito interessante, sobretudo porque sem som ou movimento, sua fotografia, acostumada aos filmes, ganha um novo valor; a sequência das páginas confere um ritmo inusitado às obras, interligando-as dentro uma nova narrativa.
O livro conta com um glossário, escrito por Moacir dos Anjos, no qual analisa cada trabalho, levantando as novas correlações estabelecidas entre eles.
O diálogo que o projeto de releitura de Cao trava com seu leitor lembra algo que Rafael de Almeida disse, em artigo sobre o filme “A alma do osso”: menos do que revelar, ele se torna um instrumento de partilha da própria existência que retrata. Almeida faz uma leitura que articula diferentes conceitos filosóficos, sob a qual compreende que, enquanto diretor de cinema, Cao “instaura no mundo, junto ao seu personagem, um “mundo de possibilidades, de fundos, de franjas, de transições” (DELEUZE, A imagem-tempo, p. 317-319), traçando, assim, um plano de imanência que guarda um conjunto de variabilidades, de mundos possíveis”.
Isso ocorre, também aqui, neste trabalho impresso.
Em entrevista concedida a Ruy Gardnier para a revista Contracampo, Cao diz não considerar-se majoritariamente cineasta, dentre as diversas manifestações artísticas que desenvolve, e pontua: “O que acontece é que não sei mais o que é ser cineasta como sabia antigamente. Faço filmes, mas faço também muitas outras coisas. E estes filmes muitas vezes não são exibidos nos cinemas, com cartazes, pipocas, lanterninhas e tudo o que tínhamos direito antes. Algo mudou radicalmente na concepção do que chamávamos cinema. Vivemos hoje num mundo dominado pela imagem, e a imagem hoje pode estar em todo lugar. O que antes era assustador (a imagem), hoje é uma coisa banal.
“E não consigo me acostumar com isso. Posso dizer que dedico minha vida a desbanalizar a imagem, substanciando-a de alguma forma, pois sou um viciado e quanto mais olho mais quero ver, até ao ponto de não querer mais ver (como fiz um dia no livro “Historias do Não Ver”).
“Por isso dizer que sou cineasta é um pouco reducionista. Pois faço outras coisas diferentes do que se convencionou chamar cinema. Mas foi o cinema que me fez fazer o que faço, este algo indefinível do qual o cinema também faz parte”.
Autor: Cao Guimarães
Editora: Cosac Naify
Preço: R$ 80,00 (336 págs.)