O poema Totem, de André Vallias, é considerado por muitos o “(contra-)hino” de nossos tempos: foi escrito a partir de 222 nomes de povos indígenas. Compostas numa tipologia criada pelo autor, as 26 estrofes do poema tem como imagem de fundo o Mapa Etno-Histórico de Curt Nimuendajú.
O poema foi concebido por André Vallias para ser reproduzido em 13 metros de comprimento, no chão do centro cultural Oi Futuro Ipanema, no Rio de Janeiro. O poeta criou uma tipologia especial para apresentá-lo, além de um totem multimídia e uma vitrine com informações sobre todas as etnias citadas.
Agora, acaba de ser publicado em forma de livro-álbum, com as folhas soltas, pela editora Cultura e Barbárie. O álbum contém o poema em 40 impressões coloridas (cera térmica), com caixa feita em serigrafia. Contém ainda uma interessante introdução trilíngue (português, inglês e guarani-kaiowá) de Eduardo Viveiros de Castro, além de mapa e gráficos com dados dos povos indígenas no Brasil. O conjunto é um grito de guerra.
Na introdução, Eduardo Viveiros de Castro contextualiza: “Tudo começou quando uma porção de gente de outros lugares do Brasil incluiu “Guarani Kaiowá” em seu identificador pessoal nas redes sociais, afirmando assim sua solidariedade política e espiritual com este povo indígena do Mato Grosso do Sul. Os Kaiowá são um dos três subgrupos em que se divide a grande nação Guarani, espalhada entre o Paraguai, o Brasil, a Argentina e a Bolívia. A situação dos Kaiowá, que habitam um estado arrasado pela monocultura de exportação, é uma das mais terríveis por que passam as minorias étnicas do planeta, implacavelmente ignoradas, quando não deliberadamente exterminadas, pelos entes soberanos nacionais e pelos interesses econômicos internacionais”. O antropólogo conta que os “Kaiowá ganharam notoriedade com a divulgação de uma carta indignada, dirigida às autoridades pelos membros de um de seus “acampamentos” de beira de estrada ou fundo de pasto (a isto estão reduzidos). Cansados de serem perseguidos, escorraçados e assassinados por fazendeiros, políticos e outros próceres de nossa brava nação brasileira, pediam que os matassem todos de uma vez antes que aos pouquinhos. Essa carta furou o muro de silêncio hipócrita que costuma impedir que as vozes indígenas sejam ouvidas pelos demais cidadãos do país, e, graças ao circuito informal das redes sociais da internet, acabou tendo que ser divulgada pela mídia convencional”. Para ele, “os Kaiowá somos nós. Os índios não são “nossos índios”. Eles não são “nossos”. Eles são nós. Nós somos eles. Todos nós somos todos eles. Somos outros, como todos. Somos deste outro país, esta terra vasta que se vai devastando, onde ainda ecoam centenas, milhares de gentílicos, etnônimos, nomes de povos, palavras estranhas, gramáticas misteriosas, sons inauditos, sílabas pedregosas mas também ditongos doces, palavras que escondem gentes e línguas de que sequer suspeitávamos os nomes. Nomes que mal sabemos, nomes que nunca ouvimos, mas vamos descobrindo”. O antropólogo ainda analisa: “No fim das contas, todo nome é sempre isso, uma alegação que pede uma ligação, o apelo a uma outra coisa (do) que se é. Nomear é repetir o ser com uma diferença. Este é o método do totem. […] O poema de André Vallias é isso — um totem. Um poema que diz o que somos, quem somos, nossos nomes, os nomes de nossos “antepassados” míticos que nos distinguem no desconcerto das nações”. Segundo ele, “todo povo é um nome. Todo nome é um meme. Uma memória sonora que não vai-se embora. Que este totem de André Vallias em forma de onomatopoema possa dar um sentido mais puro às palavras da tribo”.
Em entrevista concedida a Victor da Rosa para a revista Pessoa, André Vallias disse: “O trabalho digital abre um leque muito grande de suportes, que podem ser materiais ou não. Considero Totem um trabalho digital que já virou “instalação” em espaço físico, vídeo-animação na web e, agora, álbum gráfico que poder ser lido como livro ou montado como exposição (por isso deixamos as folhas soltas)”. Para ele, “as redes sociais funcionam como praça pública: são inspiração e platéia”.
André Vallias nasceu em São Paulo em 1963. É poeta, designer gráfico e pesquisa as possibilidades criativas para poetas nos novos meios digitais e interativos. Seus primeiros poemas visuais datam de 1985. Atualmente, edita a revista errática [www.erratica.com.br], dedicada à divulgação de poesia sonora, visual e digital. Tem publicado, pela editora Perspectiva, o livro Heine, hein? – Poeta dos contrários.
Suzana Velasco, em artigo escrito ao jornal O Globo por ocasião da primeira montagem do poema, analisou: “Adualidade ocidental entre corpo e alma serve de metáfora ao poeta e designer André Vallias: a alma é nobre como o conteúdo da literatura; o corpo é menor, trabalho de anônimos, como os tipógrafos. A ironia, diz Vallias, é que o alfabeto foi uma invenção de mercadores, que retirou a nobreza da linguagem ao popularizá-la. E hoje ele, que tenta reunir corpo e alma, tranformar um no outro, ou melhor, torná-los inseparáveis, diz que faz parte de uma “tribozinha de gente estranha” — geralmente conhecida como “poetas visuais”. Vallias, segundo ele diz, “definiu poeta como designer da linguagem”.
O próprio poeta, em seu site, tem como espécie de epígrafe a seguinte explicação: “O conceito de poema como diagrama aberto, ao incorporar as noções de pluralidade, interrelação e reciprocidade de códigos, não só garante a viabilidade da poesia numa sociedade sujeita a constantes revoluções tecnológicas, como lhe confere uma posição privilegiada -> a de uma poesia universal progressiva (como antevia Schlegel) ou simplesmente: poiesis (do grego = criação, feitura)…”
Há disponível, como vimeo, a leitura do poema, realizada pelo próprio poeta.
Veja também a campanha “Índio é nós“: “Aos crimes perpetrados contra os povos indígenas, soma-se outro: a grande imprensa cala-se sobre eles. O silenciamento é uma das violências habitualmente cometidas contra esses povos”.
Autor: André Vallias
Editora: Cultura e Barbárie
Preço: R$ 80,00 (40 págs.)