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Os negativos perdidos de Capa

21 abril, 2008 | Por admin

O jornal The New York Times publicou em 27 de janeiro deste ano uma matéria sobre a descoberta de milhares de negativos do famoso fotografo de guerra Robert Capa. Leia abaixo a tradução integral do artigo e clique aqui para acessar uma série de fotos que o jornal americano disponibilizou para ilustrar a matéria. Disponibilizamos também uma versão em PDF da tradução.

Robert Capa

O esconderijo de Capa

– The New York Times (27-01-2008)
Por Randy Kennedy

Para o pequeno grupo de peritos em fotografia a par de sua existência, ela era simplesmente conhecida como “a maleta mexicana”. E, no panteão dos tesouros perdidos da cultura moderna, era cercado pela mesma aura mítica que rodeiam os primeiros manuscritos de Hemingway, que desapareceram de uma estação de trem em 1922.

A maleta – na verdade três frágeis valises de papelão – continham centenas de negativos de fotografias que Robert Capa, um dos pioneiros da fotografia moderna de guerra, tirou durante a Guerra Civíl Espanhola antes de fugir da Europa para os Estados Unidos em 1939, deixando para trás o conteúdo de sua sala-escura parisiense.

Capa achava que esse material havia se perdido durante a invasão nazista, e morreu em 1954, trabalhando no Vietnã, ainda achando. Mas em 1995 correram rumores de que os negativos haviam sobrevivido à destruição após uma jornada digna de um romance de John le Carré: de Paris à Marselha e então para as mãos de um general e diplomata mexicano que havia servido Pancho Villa, na Cidade do México.


E foi lá que permaneceram escondidos por mais de cinquenta anos até o mês passado [dezembro de 2007 ], quando fizeram o que provavelmente será sua última viagem, para o Centro Internacional de Fotografia em Midtown Manhattan, fundado pelo irmão de Robert Capa, Cornell. Após anos de silêncio e negociações intrincadas sobre qual deveria ser o seu destino apropriado, a propriedade legal dos negativos foi recentemente transferida para o patrimônio de Capa pelos descendentes do general, entre eles um cineasta mexicano quem primeiro os viu nos anos 1990 e logo distinguiu o valor histórico daquilo que sua família possuia.

“Isto realmente é o Santo Graal do trabalho de Capa”, observou Brian Wallis, o curador chefe do Centro, que disse também que, além dos negativos de Capa, as caixas rachadas e cobertas de poeira também continham imagens da Guerra Civíl Espanhola feitas por Gerda Taro, parceira profissional e futuramente emocional de Robert Capa, e por David Seymor, conhecido como Chum, quem fundou junto com Capa a influente agência fotográfica Magnum [exposição SP].

A descoberta dissipou ondas de choque pelo mundo fotográfico, e não por menos: espera-se que os negativos possam desvendar de uma vez por todas um mistério que tem espreitado o legado de Capa: se o que talvez seja sua foto mais famosa – e uma das mais célebres fotografias de guerra de todos os tempos – foi encenada. Conhecido como “The Falling Soldier” [O Soldado Caíndo], ela revela um miliciano republicano espanhol caindo para trás, no que aparenta ser o momento em que uma bala atinge seu peito ou sua cabeça, numa colina próxima a Córdoba, em 1936. Quando a foto foi originalmente publicada na revista francesa Vu, suscitou uma agitação e ajudou a assentar o apoio à causo Republicana.

Apesar de Ruchar Whelan, o biógrafo de Capa, ter apresentado uma justificativa convincente de que a foto não era simulada, as dúvidas persistiam. Em parte porque Capa e Taro não tinham ambição de ter imparcialidade jornalística durante a guerra – eles eram sectários comunistas da causa legalista – e eram conhecidos por fotografar manobras militares encenadas, uma prática habitual da época. Nunca foi encontrado um negativo da foto ( ela tem sido reproduzida há muito tempo de uma cópia antiga ), e a descoberta de um, especialmente por estar na sequência original, com todas as fotos tiradas antes e depois dela, poderia encerrar a polêmica.

Mas essa descoberta tem sido aclamada como um grande acontecimento por mais motivos além dos investigativos. Este é o trabalho de formação de um fotógrafo que, em um século definido por batalhas, teve um papel central na definição de como a guerra era vista, trazendo os horrores para mais perto do que nunca – “Se suas fotos não são boas o suficiente é porque você não está próximo o suficiente” era seu mantra – embora imprimisse no processo um ar cinemático e irreal. (Capa, sem surpresa, passou um tempo em Hollywood, tornando-se amigo de Howard Hanks e namorando Ingrid Bergman).

Capa foi o pioneiro na personificação do fotógrafo de guerra itinerante, com um cigarro pendurado no canto da boca e câmeras a tira colo. Sua intrepidez intimidava até seus soldados modelos, e nos intervalos entre as batalhas ele saia com Hemingway e Steinbeck e frequentemente bebia em demasia e aparentemente conseguia tudo com elegância. William Saroyan escreveu que ele imaginava Capa como “um jogador de poker cuja distração era a fotografia.”

De uma maneira warholiana que parece só aumentar sua fascinação atual, ele, de certa meneira, se inventou. Nascido Engre Friedmann na Hungria, ele e Taro, que ele encontrou em Paris, forjaram a imagem de Robert Capa – eles o chamaramde “um famoso fotógrafo americano” – para ajudá-los e conseguir trabalhos. Capa incorporou esta ficção e a tornou realidade. (Taro, uma alemã cujo nome verdadeiro era Gerta Pohorylle, morreu na Espanha em 1937 num acidente de tanque enquanto tirava fotos).

Curadores do Centro Internacional de Fotografia, que iniciaram um esforço a longo prazo para conservar e catalogar o trabalho recém descoberto, afirmam que a história completa de como os negativos, em torno de 3500, chegaram ao México pode nunca ser revelada.

Em 1995, Jerald R. Green, um professor do Queens College, parte da Universidade de Nova Iorque, recebeu uma carta de um cineasta da Cidade do México que havia visto há pouco tempo uma exposição de fotos da Guerra Civíl Espanhola patrocinada, em parte, pela faculdade. Ele também escrveu dizendo que havia herdado recentemente um arquivo de negativos de nitrato que havia pertencido à sua tia, herança do pai dela, o General Francisco Aguilar Gonzales, que morreu em 1967. O general estava residente como diplomata em Marselha, no fim dos anos 1930, onde o governo mexicano, partidário da causa Republicana, começou a dar apoio para refugiados antifascistas da Espanha imigrarem para o México.

Do que especialistas conseguiram juntar dos arquivos e da pesquisa do Sr. Whelan, o biógrafo ( que morreu ano passado [2007] ), Capa aparentemente pediu ao chefe de sua sala escura, um amigo e fotógrafo húngaro chamado Inre Weisz, conhecido como Cziki, para salvar seus negativos em 1939 ou 1940, quando Capa estava em Nova Iorque e temia que seu trabalho fosse destruído.

Acredita-se que o Sr. Weisz levou as valises para Marselha, mas acabou preso e foi enviado para um campo de concentração em Algieis. Em alguma parte do percurso, os negativos acabaram na mão do general Aguilar Gonzales, que os levou até o México, onde morreu em 1967. Não é evidente se o general sabia quem era o autor das fotografias ou o que elas mostravam; mas, se ele sabia, aparentemente nunca tentou contactar Capa ou o Sr. Weisz, que, por coincidência, viveu o resto da vida na Cidade do México, onde casou-se com a pintora surrealista Leonora Carrington (O Sr. Weisz morreu recentemente, aos 90 anos; o Sr. Whelan entrevistou-o para a biografia de Capa em 1985 mas ele não mencionou qualquer informação sobre os negativos perdidos).

“Parece estranho, retrospectivamente, que não mais houveram esforços para localizá-los”, disse o Sr. Wallis. “Mas eu acredito que eles simplesmente desistiram. Os negativos haviam se perdido na guerra, como tantas outras coisas.”

Quando o Centro de fotografia tomou conhecimento de que o trabalho talvez existisse, contactou-se o cineasta mexicano e solicitou-se sua devolução. Entretanto, telegramas e conversas por telefone não culminaram em nenhum acordo, segundo Phillip S. Block, o representante da direção para programas do Centro, acrescentando que, no início, ele e os outros não tinham nem certeza de que as declarações do cineasta eram verdadeiras, pois ninguém havia visto os negativos. (Dizendo que o retorno dos negativos for a uma decisão coletiva da família Aguilar Gonzales, o cineasta pediu para não ser identificado neste artigo e recusou-se a ser entrevistado).

Encontros com o mexicano foram agendados, mas ele deixava de aparecer. “E os diálogos interromperam-se completamente, sem nenhum motivo aparente”, disse o Sr. Block. Tentativas foram feitas de tempos em tempos, sem sucesso, para reestabelecer contato. Porém, quando o centro começou a organizar novas mostras das fotografias de guerra de Capa e Taro, as quais foram abertas em setembro último, eles tentaram um novo contato, esperando que as fotos dos primeiros negativos pudessem ser incorporadas nas mostras.

“Ele nunca estava atrás de dinheiro”, disse o Sr. Wallis, referindo-se ao cineasta. “Ele apenas parecia querer ter certeza que os negativos fossem para o lugar certo.”

Frustrado, o centro contratou a ajuda de um curador e estudioso, Irisha Ziff, que viveu na Cidade o México por muitos anos. Após semanas trabalhando somente para encontrar o recluso mexicano, ela iniciou o que seria quase um ano de discussões sobre os negativos.

“A questão não era que ele não podia se livrar disso”, disse a Sra. Ziff, entrevistada por telefone de Los Angeles, onde ela está finalizando um documentário sobre a imagem amplamente reproduzida de Che Guevara, baseada em uma fotografia de Alberto Korda.

“Acredito que ninguém antes de mim havia pensado nisso da maneira como algo desta sensibilidade deve ser pensado” ela disse. O cineasta temia, em parte, que as pessoas no México pudessem censurar a saída do negativos para os Estados Unidos, considerando as imagens como parte da forte ligação do país com a Guerra Civil Espanhola. “Deve-se respeitar e honrar o dilema no qual ele colocou-se”, comentou.

Por fim, a Sra. Ziff persuadiu o cineasta a ceder o trabalho – “Eu acredito que podem descrever-me como obstinada”, disse ela enquanto assegurava que o Centro de fotografia permitiria ao cineasta o uso das fotos de Capa para um documentário que ele gostaria de fazer a respeito da sobrevivência dos negativos, sua viagem até o México e o papel de sua família em salvá-los.

“Eu o vejo com frequência”, disse a Sra. Ziff, “e acho que agora ele está em paz em relação a isto.” Em dezembro [2007], após duas confiantes entregas de um pequeno número dos negativos, o cineasta finalmente entregou à Sra. Ziff o cerne do trabalho, e ela mesma os carregou num vôo à Nova Iorque.
“Eu não iria coloca-los numa caixa da FedEx”, ela brinca.

“Quando eu recebi estas caixas quase que as podia sentir vibrar em minhas mãos”, disse ela. “Foi a parte mais excitante para mim.”

O Sr. Wallis disse que, apesar da avaliação das condições dos filmes por parte dos peritos em conservação da George Eastman House, em Rochester, estarem apenas começando, eles parecem estar muito bem conservados para negativos de 70 anos de idade armazenados numa caixa de costura.

“Eles parecem terem sido feitos ontem”, ele disse. “Eles não estão nem um pouco frágeis. Eles não estão envelhecidos. Nós espiamos cautelosamente alguns deles para termos uma idéia do que há em cada rolo.”

E descobertas já foram feitas através das caixas – uma vermelha, uma verde e a outro bege – cujo conteúdo foi, ao que parece, cautelosamente rotulados à mão pelo Sr. Weisz ou por algum outro assistente do estúdio. Pesquisadores depararam-se com fotos de Hemingway e de Federico Garcia Lorca.

O negativo de uma das mais célebres fotografias da Guerra Civíl Espanhola de Chum, que mostra uma mulher embalando uma criança em seu peito enquanto fitava o orador em um encontro de massa a céu aberto, em 1935, também foi encontrada. “Nós ficamos espantados de vê-la”, disse o Sr. Wallis. ( A fotografia, comumente interpretada como uma mulher que, apreensiva, buscava no céu sinais de bombardeiros, foi mencionada por Susan Sontag em “Considerações Sobre a Dor dos Outros”, suas reconsiderações de 2003 a respeito das idéias de seu conhecido tratado “Da Fotografia”, uma análise crítica das imagens de guerra e sofrimento).

A pesquisa pode trazer uma revisão da obscura carreira de Taro, uma das primeiras fotógradas de guerra, e pode levar à definição de que algumas fotos atribuídas a Capa sejam de sua autoria. Os dois estiveram muito próximos enquanto trabalhavam e identificaram alguns de seus primeiros trabalhos com ambos os nomes, dificultando, as vezes, em estabelecer a autoria conclusivamente, disse o Sr. Wallis. Ele diz que havia até uma remota possibilidade de que o “O Soldado Caindo” pudesse ser de Taro, e não de Capa.

“Esta é outra teoria que tem sido levantada”, ele disse. “Nós simplesmente não sabemos. Para mim, isto é que é o excitante deste material. Há tantas perguntas e tantas outras ainda não levantadas que este material possa responder.”

Em última análise, disse o Sr. Wallis, a descoberta é significativa por ser o material cru do próprio nascimento da fotografia moderna de guerra.
“Capa estabeleceu um modo e um método de representar a guerra nessas fotografias, do fotógrafo não como observador, mas como se estivesse na batalha, e isto virou o modelo que o público e os editores dali em diante exigiam” ele disse. “Qualquer outra coisa pareceria que você estava por fora. E a revolução visual que ele incorporou se deu justamente ali, nessas primeiras fotos.”

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