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Pasquim político

20 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

O semanário político O Homem do Povo foi publicado entre março e abril de 1931. O jornal, fundado por Oswald de Andrade e sua então mulher Patrícia Galvão, a Pagu, após terem filiado-se ao Partido Comunista do Brasil, foi uma resposta militante, cujo objetivo era espalhar a mensagem da revolução entre o operariado urbano – à politicamente conturbada época de disputa entre extremas direita e esquerda, representadas respectivamente pelo nazifascismo europeu e pelo bolchevismo soviético. Hiperbólico, provocativo, crítico e satírico, o jornal aliou o humor irreverente de Oswald a uma reflexão crítica de sua própria participação no modernismo. O efêmero periódico, assim, caracterizou-se, em seus aspectos político e estético, pela militância política desenvolvida numa linguagem expressiva e comunicativa, uma escrita cheia de ironias, paradoxos, trocadilhos.

A Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, em coedição com a editora Globo e com apoio do Museu Lasar Segall, publicou a coleção integral dos exemplares fac-símile do jornal. A edição traz também textos explicativos, escritos por Augusto de Campos, Maria de Lurdes Eleutério e Geraldo Galvão Ferraz – filho de Pagu.

Como diz Augusto de Campos, na Introdução, “O Homem do Povo, lançado em 1931, é um registro da fase mais sectária e “engaée” da atuação política de Oswald e Pagu, numa primeira postura de adesão quase que incondicional às “verdades” partidárias e ao proselitismo do PC. Trata-se de um jornal panfletário, de um assumido pasquim político, que teve curtíssima duração – apenas 8 números. […] Oswald assinava os editoriais, que também apareciam com a rubrica de “O Homem do Povo”. […] Paradoxalmente, o povo não leu “O Homem do Povo”. Leram-no alguns intelectuais, os estudantes de Direito… e a polícia, que acabaria proibindo a sua circulação após a ocorrência, nos dias 9 e 13 de abril, de graves acidentes, que tentaram por duas vezes empastelar o jornal por causa de dois editoriais considerados ofensivos à tradicional Faculdade do Largo de São Francisco”.

O tumultuoso fechamento do jornal foi decorrência do primeiro editorial escrito por Oswald de Andrade, na edição n.º 7, de 9 de Abril de 1931, com o título “As angústias de Piratininga”, crítica que iniciava-se assim: “Precioso e ridículo, como literatura política, nullo de visão social, fechado no mais estreito e pífio provincianismo, vertendo apenas o puz que brota dos dois cancros de São Paulo – a Faculdade de Direito e o café – o manifesto do Partido Democrático fixa bem para os olhos ingenuos dos que acreditam nas meias-revoluções, de que tamanho é a guela ambiciosa e hypocrita dos exploradores que depois de ter erguido palácios e fazendas, a chicote e a tronco de escravos – pretendem continuar a sugar o suor dos que trabalham, a troco de represental-os na comedia dos cargos públicos. Cynicos, comediantes sem treino, pois foi da deslavada, da mais clara exploração feudal que até hoje viveram do alto de suas cathedras de professores, deu suas bancas de jornalistas e de suas mesas de jogo – eil-os que surgem ao embate da primeira crise séria, chamando a si o encargo de ser o traço de União entre o governo e o povo!”.

Oswald deveu ao seu contato com Júlio Prestes a guinada política que o levou à filiação ao Partido Comunista e a consequente militância através sobretudo de O Homem do Povo. Como cita Vera M. Chalmers, no livro 3 linhas e 4 verdades – o jornalismo de Oswald de Andrade (São Paulo: Duas Cidades, 1976), Oswald disse: “[…] durante o nosso primeiro encontro, vi que aquele capitão do exército era um intelectual, cheio não só de cultura política, mas de cultura geral. O seu conhecimento das doutrinas sociais era completo. Conversei com ele três noites a fio nos cafés de Montevidéu. E dede aí toda a minha vida se transformou. Encerrei com prazer o período do Modernismo. Pois aquele homem me apontava um caminho de tarefas mais úteis e mais claras. Desde então se já era um escritor progressista que tinha como credenciais a parte ativa tomada na renovação da prosa e da poesia do Brasil desde 22, pude ser esse mesmo escritor a serviço de uma causa, a causa do proletariado que Prestes encarnava”.

Augusto de Campos fecha sua já mencionada introdução com a seguinte análise: “Mesmo sem se concordar com radicalidade e o sectarismo das diatribes de O Homem do Povo, é possível lê-lo com interesse e curiosidade. […] Sem dúvida, aqui não se encontrarão as grandes páginas de invenção estilística de João Miramar e Serafim Ponte Grande. A Revista de Antropofagia é mais rica em idéias e em criatividade, e os estereótipos da catequese política estão hoje mais desgastados do que antes. Mas, no desleixo das suas linhas apressadas, no seu amadorismo algo provinciano, na sua ingenuidade quixotesca, O Homem do Povo traz, ao lado da marca feroz e veraz da utopia, o rastro literário da modernidade e da paródia que dele fazem como que um prolongamento da 2.ª dentição antropofágica. Este pasquim proletário não deixa de ser – como eu já afirmei em Pagu: Vida-Obra – um descendente engajado da Revista de Antropofagia. Estilhaços do riso oswaldiano espoucam por esses textos irados, fazendo com que eles desbordem da razão política, datada e perecível, para se incorporarem ao plano menos transitório das criações intelectuais. “Do meu fundamental anarquismo jorrava sempre uma fonte sadia, o sarcasmo”, disse Oswald no prefácio ao Serafim. Por isso, esse O Homem do Povo, que o povo não leu, pode ser lido agora, e não apenas como documento de uma época, suas lutas e suas contradições. Podemos rir com ele”.

O HOMEM DO POVO

Autor: Oswald de Andrade, Patrícia Galvão
Editoras: Imprensa Oficial e Editora Globo
Preço: R$ 85,00 (76 págs.)

 

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