Literatura

Pessimismo satírico

19 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Luigi Bartolini

O diabo mesquinho [Мелький Бес], publicação cuidadosa da editora Kalinka, trouxe pela primeira vez ao conhecimento do público brasileiro a escrita pessimista de Fiódor Sologub (1863-1927), um dos expoentes do simbolismo russo. O texto integral (originalmente, fora publicado em capítulos em uma revista russa, que suprimiu as partes finais da narrativa) foi traduzido por Moissei Mountian, com colaboração de Daniela Mountian e revisão de estilo feita por Aurora Fornoni Bernardini. O livro conta também com desenhos de Fabio Flaks.

O texto é psicologicamente rico, trata do progressivo enlouquecimento do protagonista Peredónov, um professor de ginásio maldoso e mesquinho, que pouco a pouco desenvolve uma paranoia. Assaltado por estranhas alucinações, desconfiado de tudo e de todos, começa a praticar atos de insanidade. A mente confusa e inquietante do anti-herói é desvelada por meio de uma narrativa satírica, que cria um mundo carnavalesco, de um pessimismo delirante. O paulatino processo de loucura retumba, no simbolismo de Fiódor Sologub, o mundo dos sonhos de Freud. 

Conforme Cristóvão Tezza, em resenha escrita ao jornal Folha de São Paulo [“O diabo mesquinho, de Fiódor Sologub”, Ilustrada, 08/mar/2008], o objetivo do simbolismo russo “era ‘libertar’ a palavra de sua suposta escravidão referencial, dando-lhe vida própria (ela é um ‘símbolo’); ao mesmo tempo, ela deveria revelar valores mais profundos da realidade -e aqui está o liame que o movimento mantém com a vida ideológica. Assim, o artista trabalha a ‘natureza construtiva’ da palavra (como objeto gráfico e sonoro), enquanto procura extrair dela sua dimensão arquetípica”. O romance O Diabo Mesquinho, para ele, “é uma bela e rara amostra em prosa desse movimento. É uma narrativa simples, quase uma fábula de costumes […]. O pano de fundo é um mundo opressivo de funcionários públicos acovardados diante de um poder invisível que os massacra do nada, uma legião de desocupados e bajuladores bêbados, e um agoniante cotidiano cuja única lei é a onipresente violência física”.

Segundo Daniela Mountian na tese defendida na USP, “Simbologia do caos em O diabo mesquinho de Fiódor Sologub”, sob orientação de Arlete Cavaliere, há uma “evidente tessitura paródica, e a presença de arquétipos míticos universais perpassados por elementos do folclore russo”, o que abre a possibilidade interpretativa de desvelar “a articulação que a narrativa faz entre as dualidades míticas mais estáveis (caos versus cosmos, próprio versus alheio), as construções de herói e de anti-herói, e os traços folclóricos e do demonismo popular”.

Simbolizando um mundo que irrompe por conta própria, uma sociedade mesquinha e decaída, O diabo mesquinho concentra influências de Schopenhauer, do escárnio de Gógol e das questões morais de Dostoiévski.

 

 

O DIABO MESQUINHO

Autor: Fiódor Sologub
Editora: Kalinka
Preço: R$ 28,80 (390 págs.)

 

 

 

 

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