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Poder e saber

6 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Aulas sobre a vontade de saber traz a transcrição do primeiro curso ministrado por Michel Foucault no Collège de France. Antecipa temas que foram posteriormente desenvolvidos em Vigiar e Punir e no primeiro volume da História da sexualidade, sobretudo. Sua publicação visa evidenciar uma profunda unidade em sua obra, um projeto que vai de Vigiar e punir (1975) e seu desenvolvimento dos temas do poder e da norma, a O uso dos prazeres e O cuidado de si (1984), voltados para a ética da subjetividade.

Foucault, destrinchando as estruturas do poder, pensa a relação entre a verdade e o poder, estabelecendo uma tese de mútua implicação entre o saber e o poder, articulada na produção do sujeito.

O curso foi baseado na análise dos grandes textos da filosofia antiga grega, a Metafísica de Aristóteles, o Édipo de Sófocles, além de leituras sobre os sofistas, textos de Hesíodo, Heródoto, Platão e Homero, esclarecidos por Kant, Espinoza e Nietzsche.  Também há muito sobre a política grega, a política econômica, as leis, além da análise de uma interessante discussão de Sólon, que adianta a tematização sobre a governabilidade. A leitura de Nietzsche é importante e valiosa, uma antecipação de “Nietzsche, Genealogia, História”, escrito na mesa época. A principal preocupação das análises, provavelmente surpreendente, não é a compreensão do conhecimento como verdade, mas num sentido político. A relação entre poder e conhecimento estabelecida nas análises deste curso, ainda que sem a terminologia precisa que Foucault desenvolveu posteriormente, possibilita muitas conclusões de Vigiar e Punir.

Dentre os diferentes tipos de saber, na análise realizada ao longo do curso, Foucault reconhece o desejo de verdade. Um capítulo inteiro é dedicado a Sófocles, emblemático de um momento original de confrontação, para o pensamento ocidental, de todos os tipos de saber. O comentário traçado por Foucault do Édipo traduz a concepção política de sua filosofia. Ele critica a reinvenção freudiana do mito como símbolo de desejo inconsciente na família burguesa moderna, defendendo que, mais do que isso, realiza a ligação entre o saber do sábio e o saber da sociedade civil, possibilitando a própria condição da emergência de um discurso democrático verdadeiro.

Não se trata da descoberta da natureza humana, mas da compreensão de sua fabricação. A seleção dos discursos verdadeiros depende do modo como servem à complexa teia de poderes historicamente determinados, seguindo os interesses dominantes – fonte de criação do próprio homem enquanto sujeito do conhecimento comum.

A WMF Martins Fontes já publicou os seguintes cursos de Foucault:

Os anormais, traduzido por Eduardo Brandão, curso pronunciado no Collège de France de janeiro a março de 1975 – apresenta as análises que Michel Foucault consagrou, a partir de 1970, à questão do saber e do poder, pensando o poder disciplinar, que se aplica ao corpo por meio das técnicas de vigilância e das instituições punitivas, o poder de normalização e o biopoder, exercido sobre a população, a vida e os vivos; Em defesa da sociedade, curso de 1976 – no qual Foucault se interroga sobre a pertinência do modelo da guerra para analisar as relações de poder e, pensando os discursos sobre a guerra das raças e as narrativas de conquista, estabelece a genealogia do biopoder e dos racismos de Estado; A hermenêutica do sujeito, curso proferido em 1982 – investiga noção de “cuidado de si” que, mais do que o “conhece-te a ti mesmo”, organiza as práticas da filosofia. Ao descrever o modo de subjetivação antiga, ele busca tornar patente a precariedade do modo de subjetivação moderno. Uma reformulação do problema político é o que também teria permitido esta passagem aos Antigos. Relendo Platão, Epicuro, Sêneca, Foucault busca aquilo com que se pode repensar a política.

 

 

 

 

AULAS SOBRE A VONTADE DE SABER

Autor: Michel Foucault
Editora: WMF Martins Fontes
Preço: R$ 32,20 (320 págs.)

 

 

 

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