Por que a poesia tem que se confinar
às paredes de dentro da vulva do poema?
por que proibir à poesia
estourar os limites do grelo
da greta
da gruta
e se espraiar além da grade
do sol nascido quadrado?
[…]
[trecho de “Exterior”]
A antologia Poesia total reúne pela primeira vez a obra poética completa de Waly Salomão, desde Me segura qu’eu vou dar um troço, passando por Gigolô de bibelôs, Algaravias, Lábia, Tarifa de embarque, até a publicação póstuma Pescados vivos. O volume traz ainda uma seção de canções inéditas em livro, além de apêndice com alguns dos mais relevantes textos críticos sobre sua obra, escritos por Antonio Cícero, Francisco Alvim e Davi Arrigucci Jr, entre outros.
Waly Dias Salomão (Jequié BA 1943 – Rio de Janeiro RJ 2003), além de poeta foi produtor cultural, diretor artístico e letrista de música popular brasileira. Filho de um imigrante sírio muçulmano e de uma sertaneja dita beata, é uma das figuras mais fecundas e heterogêneas da vanguarda brasileira. Em 1972, publicou seu livro de estreia e participou da organização de Os Últimos Dias de Paupéria, que reúne poemas e artigos de Torquato Neto, falecido naquele ano – seu parceiro no movimento tropicalista, com quem editara o número único da revista Navilouca, que, considerada uma das principais revistas de vanguarda da década de 1970, publicou autores como Augusto de Campos, Décio Pignatari e contou com colaborações de compositores como Caetano Veloso e de artistas, como Hélio Oiticica.
O poeta Flávio Boaventura, em artigo publicado na revista Zunái, analisando o caráter “intersemiótico” na poética de Waly Salomão e pensando sua poesia sob influências filosóficas, retoma uma entrevista, concedida a Adolfo Montejo Navas em outubro de 2001, em que o poeta declarou: “Eu li muito Derrida e Deleuze, porque acho que esse negócio de poeta ignorante é quase um termo antípoda. Ezra Pound dizia que a grande qualidade do poeta era a curiosidade, e eu segui isso ipsis literis […]”. Segundo o crítico, “de uma forma muito explícita, o tema da criação artística, bem como o das especulações filosóficas, estão muito presentes na poesia de Waly. Vem daí sua vinculação com as artes plásticas, por um lado, e com a música, por outro, configurando, assim, essa sua escrita hiperbólica”. Para o crítico, este é um “sinal claro desse fluxo intersemiótico – “meândrico” – cultivado pelo poeta”, perceptível também em outra declaração feita pelo poeta na mesma entrevista, sobre a influência de artistas plásticos: “Hélio (Oiticica) e depois Lygia Clark, quando voltou de Paris, foram importantes para aumentar minha separação dos literatos. Eu nunca tive grandes aproximações de poetas e literatos, e sim de artistas plásticos […]“. A respeito da influência filosófica, sobretudo dos contemporâneos franceses, Boaventura aponta uma “necessidade radi(c)al para afirmar que, em matéria de poesia (tal como Waly a compreendia), o mais importante pode não ser achar o fio do labirinto, mas manter-se vivo e alegre dentro ou mesmo fora dele, fundindo caos e cosmos, criando o que Guattari denominou “caosmose”, quer dizer, “uma certa cartografia feita de demarcações cognitivas, mas também míticas, rituais, sintomatológicas.” (GUATTARI). Tal posicionamento me faz realçar aqui o projeto de transposição do modelo estruturalista encampado pelo poeta, ou seja, fortalecer os conteúdos dos elementos significativos sobre os elementos estruturais. Quer dizer, “sobre cadeias de discursividade”.
Waly Salomão deixou uma obra numerosa, além dos livros de poesia, publicou uma biografia de Hélio Oiticica, Qual É o Parangolé, e o dificilmente classificável Babilaques (2007), em que mesclou poesia, fotografia e artes plásticas.
Sobre Babilaques, o poeta Antonio Cicero escreveu: “Em anotação inédita, datada de 1979, Waly Salomão, ao mesmo tempo que descreve os Babilaques como uma “Performance-poético-visual”, adverte que “evitaria designá-los simplesmente como poemas visuais, já que essa designação é desatenta à somatória de linguagens”. […] Pois bem, penso que corresponde à intenção mais profunda de Waly dizer que os Babilaques não só não se reduzem à poesia visual, mas que não se reduzem a nenhuma dessas espécies de arte: que não se reduzem nem mesmo à poesia, quando esta é tomada como uma espécie de arte entre outras. A verdade é que, longe de aceitar esse modo convencional de classificar a poesia, Waly, ao fazer os Babilaques, considera as diferentes artes como tantas técnicas (lembremo-nos de que a palavra grega para “arte” é precisamente téchne) através das quais a poesia é capaz de se realizar. E por que não?”
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Polinizações cruzadas entre o lido e o vivido. Entre a espontaneidade coloquial e o estranhamento pensado. Entre a confissão e o jogo. Entre o vivenciado e o inventado. Entre o propósito e o instinto. Entre a demiúrgica lábia e as camadas, superpostas do refletido.
Imbróglio d’álgebra e jogo de azar. […]
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Autor: Waly Salomão
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 49,00 (540 págs.)