Literatura

Irlanda, Ilha dos Santos e Sábios

2 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

De Santos e Sábios é uma reunião de textos estéticos e políticos do escritor James Joyce, organizada por Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante.

Segundo Medeiros, o livro busca revelar o “Joyce ‘ilícito’ do pós-modernismo” e compreender o “grande barulho estético, e político”, produzido por Ulysses e Finnegans Wake.

Para esta edição, quatro tradutores debruçaram-se sobre o livro The Critical Writings (1959), editado por Ellsworth Mason e Richard Ellman, e ainda utilizaram, como referência e apoio, o livro Occasional, Critical and Political Writing, buscando assim discutir as relações entre os ensaios de Joyce e sua obra ficcional.

Cada um dos tradutores escreveu uma pequena introdução crítica aos textos, que Joyce escreveu entre 1896 – quando tinha nada mais que 14 anos – e 1937. Os textos são dispostos no volume em ordem cronológica, o que permite o acompanhamento da evolução da prosa e do pensamento de Joyce.

Como ressalta Marcelo Tápia, “no primeiro dos ensaios reunidos neste livro, ‘Não se deve confiar nas aparências’, Joyce – quando muito jovem – reserva ao olho o papel de única exceção a essa máxima, apontando que ele ‘nos revela a culpa e a inocência, os vícios e as virtudes da alma’. Esse texto prematuro, cativante na feliz tradução a nossa língua, já sugere aspectos fundamentais da obra e da vida do gigantesco escritor irlandês, desenvolvida a partir de elementos como a culpa e o vício, a inocência e a virtude. De modo análogo ao olho por ele distinguido, seu olhar sobre a Irlanda, a vida e a arte desvela, em sua superfície (apesar da aparente pouca ‘profundidade’ dos artigos) os fundamentos do autor, lançando luz sobre sua obra ficcional e poética”a.

Antonio Gonçalves Filho, em artigo publicado pelo Estado de S.Paulo, enfatiza a politização dos escritos de Joyce: “[…] A defesa que faz da literatura como forma de combate à opressão – ele escreve sobre a censura às peças de Bernard Shaw, Ibsen e Oscar Wilde – comprova a observação da tradutora Dirce Waltrick do Amarante sobre a posição política de Joyce, visível, segundo ela, tanto na sua ficção como nos ensaios críticos. A ‘Grande Fome’ (1845-8) que matou mais de metade dos irlandeses, fez com que os sobreviventes se voltassem contra o governo britânico, sempre acusado de uma política assassina por Joyce. Embora raramente mencione o fato histórico em suas obras de ficção, é o tema do ensaio Irlanda, Ilha de Santos e Sábios (1907), petardo contra o colonialismo inglês. Uma separação moral, escreve Joyce, existe entre os dois países: os ingleses desprezam os irlandeses por serem pobres, católicos – e, portanto, reacionários, acrescenta o escritor. Mas foram as leis inglesas que arruinaram as indústrias do país e o levaram à bancarrota, conclui”.

Segundo Dirce Waltrick do Amarante, em artigo publicado na revista Sibilia, nas últimas décadas do século XX, “um número expressivo de estudos propôs-se a fazer uma leitura política da obra do escritor irlandês James Joyce (1882 – 1941). Assim, uma ideia frequente em boa parte desses ensaios é a de que ‘…muitas das qualidades revolucionárias, das inovações linguísticas e literárias de Joyce podem estar relacionadas com a sua compreensão, e nesta fundamentada, da expropriação ideológica, étnica e colonial’. Ao sustentarem essa opinião, esses textos apontam como ‘Joyce escrevia em oposição às pretensões culturais imperialistas britânicas do seu tempo’. […] Acreditou-se ingenuamente que Joyce não tinha nenhuma preocupação política porque nunca disse ou escreveu nada sobre o assunto numa língua franca. A mesma velha estória: arte de um lado, opiniões políticas do outro, como se houvesse um lugar para opiniões políticas – ou para qualquer coisa que diga respeito a esse assunto”. Para a pesquisadora, porém, “a posição política de Joyce é, todavia, visível tanto na sua ficção quanto nos ensaios críticos (ainda sem tradução para o português) que escreveu entre os anos 1896 (a data é incerta) e 1937, os quais incluem discussões sobre estética e política”. Um exemplo forte é a “Grande Fome”, que ocorreu na Irlanda quarenta e cinco anos antes do nascimento de Joyce, tragédia nacional dizimou quase metade da população do país e intensificou um antigo sentimento de rancor contra os colonizadores ingleses, raramente mencionada nos romances joycianos, mas “um tema recorrente nos seus ensaios críticos que, sob esse aspecto, podem explicitar o que fica muitas vezes subentendido na sua ficção. Cito, como exemplo, um fragmento do ensaio “Irlanda, Ilha dos Santos e Sábios” (1907) , texto em que o escritor discute os problemas da colonização inglesa na Irlanda:

‘Os ingleses agora menosprezam os irlandeses porque eles são católicos, pobres e ignorantes; contudo, não será fácil justificar tal menosprezo a algumas pessoas. A Irlanda é pobre porque as leis inglesas arruinaram as indústrias do país, especialmente a indústria da lã, porque a omissão do governo inglês nos anos da carestia da batata permitiu que a maior parte da população morresse de fome e porque, sob a presente administração, enquanto a Irlanda está perdendo sua população e os crimes são quase inexistentes, os juízes recebem salário de um rei e os funcionários do governo e aqueles nos serviços públicos recebem imensas somas para fazer pouco ou nada'”.

 

Com este livro, portanto, organizado por destacados joycianos brasileiros que acumulam a incansável dedicação à tarefa de traduzir, e com esmero, a obra de Joyce, o leitor brasileiro pode entrar em contato com textos estéticos e políticos do autor irlandês. No ensaios, mesmo em seus aspectos irreverentes, firma-se a postura crítica de um artista que soube como poucos transitar criticamente por assuntos os mais variados – a história e a política interna da Irlanda, a sensibilidade mística de William Blake, o sistema de Giordano Bruno, ou as definições do bem e do belo a partir de Aristóteles e São Tomás de Aquino.

 

 

 

DE SANTOS E SÁBIOS

Autor: James Joyce (Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick, orgs.)
Editora: Iluminuras
Preço: R$ 32,90 (328 págs.)

 

 

 

 

 

Send to Kindle

Comentários