matraca

“Teu nome é para nós, Manuel, bandeira” *

29 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

No dia 19 de abril lembrou-se os 128 anos do nascimento de Manuel Bandeira. O belo artigo de Elvia Bezerra, “Manuel Bandeira: a vida inteira”, publicado no blog do Instituto Moreira Salles, começa com uma citação do poema de Drummond, que parece, como diz Bezerra, estar “desafiando o silêncio da morte”:

Oi, poeta!

Do lado de lá, na moita, hein? fazendo seus novent’anos…

E se rindo, eu aposto, dessa bobagem de contar tempo,

de colar números na veste inconsútil do tempo, o inumerável,

o vazio-repleto, o infinito onde seres e coisas

nascem, renascem, embaralham-se, trocam-se,

com intervalos de sono maior, a que, sem precisão científica, chamamos de

[ morte.

[…]

Hoje me sobe o desejo

de saber o que fazes, como,

onde:

em que verbo te exprimes, se há verbo?

em que forma de poesia, se há poesia,

versejas?

em que amor te agasalhas, se há amor?

em que deus te instalas, se há deus?

 

No penúltimo dia de abril, esta Matraca, para fazer coro à homenagem ao poeta, lembra a publicação em livro, não de suas poesias, mas da correspondência trocada entre ele e Mário de Andrade: vislumbre da espontaneidade e da germinação das ideias ao longo da comunicação por escrito entre dois amigos que foram também dois artistas literários conterrâneos e contemporâneos. A numerosa correspondência deu-se ao longo de três décadas e foi reunida e organizada por Marcos Antonio de Moraes e publicada pela Edusp. O trabalho rigoroso de formulação de notas do organizador, fornece ao leitor todas as informações necessárias à compreensão dos dados contextuais das cartas, como a troca de confissões pessoais, opiniões sobre poemas, ideias sobre questões do cotidiano do país e sobre a evolução da arte brasileira.

A correspondência, trocada entre 1922 e 1944, testemunha aspectos do funcionamento da sociabilidade intelectual e artística no primeiro modernismo brasileiro e mostra como se deu entre os dois escritores um intenso compartilhamento de juízos críticos a respeito de obras literárias em processo de criação. As cartas mostram inclusive confrontos de percepções estéticas e linguísticas entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira no debate sobre a elaboração de Macunaíma (1928), particularmente em relação ao capítulo “Carta pras icamiabas”.

A correspondência também testemunha um caso interessantíssimo de amizade epistolar, já que ao longo de suas vidas os dois quase não se viram. Nas poucas ocasiões em que estiveram frente a frente, permaneceram “vexados pelo pudor e pelas diferenças de sensibilidade”, como disse Bandeira em 1928. Quanto às questões artísticas, a franqueza imperava entre eles, pois ambos “estavam no mesmo plano intelectual”, diz o organizador Marcos Antonio de Moraes, que analisa: “Por essa razão a correspondência foi tão vibrante e duradoura”.

No caso de Manuel Bandeira, aquilo que ele escreve na intimidade da carta é particularmente significativo para quem quer que se interesse por sua poesia, pois, como bem pontuou o crítico Alcides Villaça: “Em sua realização de “poeta menor”, expressão que aplicou a si mesmo, o poeta não está encolhendo por modéstia seu horizonte literário, cultural ou intelectual: esse homem culto, refinado, estudioso da língua e da literatura, tradutor de grandes escritores, está elegendo com decisão um horizonte poético rigorosamente pautado pelas experiências mais sensíveis e pessoais, nascidas da plena percepção lírica”; segundo Villaça, talvez “nenhum outro poeta brasileiro nos transporte de modo tão direto para a vivência da mais franca intimidade: autor e leitor congraçam-se, de modo singularmente afirmativo, na mesma percepção de um ser, de um objeto, de uma ação, de um quadro do cotidiano. A singularidade bandeiriana está na naturalidade com que se desvia dos caminhos mais marcados da lírica moderna. Seus poemas não consagram o drama do sujeito oscilante e indefinido, na busca angustiosa de uma ascese ou na exposição irônica de um fracasso: eles querem a nitidez e a afetividade da matéria mais próxima, da lembrança mais funda, do desejo claro e definido no fundo da pessoa”.

 

CORRESPONDÊNCIA – MÁRIO DE ANDRADE E MANUEL BANDEIRA

Autor: Mário de Andrade e Manuel Bandeira (Marcos Antonio de Moraes, org.)
Editora: Edusp
Preço: R$ 84,00 (736 págs.)

 

 

* O título faz alusão a outro verso de Drummond do poema “Manuel Bandeira faz novent’anos”.

 

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