Resenhas

“A poética do ser e não ser” – Uma radiografia do teatro de animação brasileiro contemporâneo

21 setembro, 2017 | Por Tânia Gomes Mendonça

Detalhe do acervo do Museu Giramundo

Analisando onze textos dramatúrgicos provenientes do Festival de Canela (RS), os quais possuem como pólos a presença e a ausência da palavra, Felisberto Sabino da Costa, na obra A poética do ser e não ser – Procedimentos dramatúrgicos do teatro de animação [Edusp, 2016], nos apresenta as peculiaridades da estrutura dramatúrgica do teatro de animação com relação ao teatro de ator, lançando luz às leis que são próprias da primeira linguagem. Esta perspectiva permite ao leitor conscientizar-se de elementos que devem ser considerados ao apreciar e/ou construir um trabalho focado no teatro de animação.

E qual seria uma das principais particularidades presentes na dramaturgia específica para teatro de animação, diferenciando-a daquela prevista para o teatro de ator? Para o pesquisador, o terceiro elemento presente no teatro de animação, o qual não é composto apenas de ator-plateia, mas, sim, de ator-boneco-plateia – seria um importante aspecto que promove um “processo diferenciado de escritura” (p. 18), já que o dramaturgo escreverá para um ator que animará um objeto, o qual, por sua vez, em seu caráter de (não) animado, é um vir a ser. O objeto “é a ponte que liga o ator-manipulador ao público”.

Dentro desta perspectiva, o livro de Felisberto Sabino realça algumas características dos procedimentos dramatúrgicos do teatro de animação desenvolvidos no Brasil a partir de 1980, ressaltando a predominância dos traços estilísticos épicos [1], provenientes da separação entre o personagem-boneco (o objeto) – e o ator (o sujeito). Assim, “entre o corpo deste último [ator] e o do personagem ocorre um espaçamento, e o ator converte-se em um contador de histórias. Ele é um narrador ou demonstrador, e o objeto, o seu narrado” (p. 29-30).

A partir desta especificidade, o pesquisador reflete sobre possíveis elementos presentes nesta linguagem cênica, esmiuçando possibilidades da estrutura dramatúrgica contemporânea, destacando-se o valor da imagem para o teatro de animação e as várias alternativas de construção das personagens e da narrativa. Felisberto Sabino detalha a estrutura textual das peças analisadas, aproximando o leitor dos trabalhos cênicos a serem analisados. Um exemplo é a descrição da peça “Giz”, do Grupo Giramundo, apresentada em Canela em 1989, espetáculo composto de doze cenas independentes. O autor cria uma interessante narrativa visual atrelada a uma análise estrutural, fazendo com que os leitores imaginem as cenas, que são narradas em minúcias. Transcrevo aqui uma breve descrição que assinala o caminhar desta primeira familiarização mais pormenorizada com as obras:

 

A cena final da peça Giz acontece durante um concerto musical e apoia-se no embate obstinado de duas vontades antagônicas engendradas por personagens monolíticos: dois anjinhos – Quero-Quero I e Quero-Quero II – que querem guloseimas, mas são rechaçados pelo Órgão, composto por quatro tubos com fisionomias severas e manipulados por extensores conjugados às teclas e ao pedal do instrumento, acionados pela concertista. Finalizando, a organista retira de dentro do instrumento um enorme bombom, revelando o objetivo-motivo condutor da ação [2].

 

A análise dos aspectos dramatúrgicos das onze peças escolhidas como objeto de estudos leva o leitor, assim, a se familiarizar com a linguagem do teatro de animação, fazendo com que ele imagine a estrutura dos trabalhos cênicos destacados, tendo como suporte a rica descrição tecida sobre cada um deles. O livro de Felisberto Sabino da Costa é, portanto, um prato cheio para aqueles que se interessam pela cena teatral contemporânea, os quais terão a oportunidade de apreciar, desse modo, uma ótima radiografia do fazer teatral ligado ao teatro de animação.

 

 

 

 

A POÉTICA DO SER E NÃO SER

Autor: Felisberto Sabino da Costa
Editora: Edusp
Preço: R$ 33,60 (348 págs.)

 

 

 

 

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notas:

[1] Para mais detalhes, consultar: ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Coleção Buriti, 1965. Na “Advertência” desta obra, Rosenfeld ressalta que o termo “épico’ é usado no sentido técnico – como gênero narrativo, no mesmo sentido em que o usam Brecht, Claudel e Wilder […]”.

[2] DA COSTA, Felisberto Sabino. A poética do ser e não ser – Procedimentos dramatúrgicos do teatro de animação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016, p. 97.

 

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