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A produção é destrutiva

25 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone

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O filósofo húngaro István Mészáros, interpreta, em O desafio e o fardo do tempo hitórico, o significado histórico da crise estrutural do capital, que, como “ordem estabelecida”, produz destruição – do tempo livre, da educação, das pessoas, da cultura, da natureza, da vida. Articulando argumentos de filosofia, economia política e teoria social, Mészáros mostra que capital atua somente na destruição e reafirma a necessidade do socialismo no século XXI.

A primeira destruição apontada é a do tempo histórico, que ao capitalismo é uma limitação á sua continuidade e reprodução sóciometabólica; pois a análise histórica representa a possibilidade perigosa de realizar uma leitura crítica que perspective a crise e evidencie a inviabilidade futura do sistema capitalista. As crises econômicas são crises estruturais do próprio sistema e a análise histórica, como meio de projeção do futuro, indica a impossibilidade econômica, ambiental e moral da perpetuação de um processo que gera uma produção destrutiva.

Na apresentação do livro István Mészáros e os desafios do tempo histórico, organizado por Ivana Jinkings e Rodrigo Nobile, Jorge Giordani aponta que “Mészáros faz uma crítica devastadora das engrenagens que caracterizam o sistema sociometabólico do capital. […] Em sua obra, enfrenta os desafios para a superação da vida regulada pelo capital, em direção a uma existência humana fundada na igualdade substantiva. […] A investigação do século XX o leva a constatar que o sistema do capital converte-se em um processo incontrolável e destrutivo. Na contracorrente dos niilistas e dos acomodados, Mészáros aponta caminhos e reafirma que não há arremedo capaz de amenizar a gravidade extrema das contradições desse sistema, permanentemente criadas e insolventes”.

Em conferência proferida em novembro de 2007, quando do lançamento do livro na Universidade Federal de Santa Catarina, o professor Emeritus István Mészáros introduz sua discussão pontuando que “em vista da crise estrutural cada vez mais profunda da ordem sociometabólica do capital, a questão “por que socialismo?” pode – e deve – ser mais uma vez legitimamente evocada”. À pergunta por que socialismo?, Mészáros responde: “Primeiramente porque o capital, por sua própria natureza, é incapaz de atentar para os problemas ameaçadores de sua crise estrutural. O sistema do capital tem um caráter eminentemente histórico. De acordo com o filósofo, a “verdade é que a inevitável negação da conflitualidade/adversidade do capital não pode de modo algum obter êxito se não for complementada pelo lado positivo do mesmo empreendimento. E isso envolve a harmonização criativa do tempo dos indivíduos sociais com o tempo histórico aberto da humanidade. Pois, a menos que seja aberto de modo genuíno, o “tempo histórico” não é, absolutamente, histórico. Essa concepção opõe-se com veemência à temporalidade arbitrariamente fechada do “eterno presente”, que supostamente caracteriza a “atualidade racional” da ordem estabelecida, como Hegel apresentou. […] A necessária harmonização do tempo histórico aqui referida significa, em primeiro lugar, a adoção das potencialidades positivas objetivamente factíveis da humanidade pelos indivíduos sociais como princípios orientadores e valores de sua própria atividade vital, em oposição aos contra valores do capital impostos de maneira determinista”. Para ele, por isso, não se deve “ter a ilusão de que, sob as condições cada vez mais graves da crise estrutural da ordem estabelecida, o capital poderia adquirir uma atitude diversa diante do impacto humano de sua cruel auto-afirmação. O fato doloroso é que, não obstante todas as promessas auto justificadoras, até hoje o capital falhou em satisfazer mesmo as necessidades elementares da maioria esmagadora do gênero humano. Por conseguinte, o maior desafio para o futuro é encontrar uma maneira de superar positivamente as determinações sistêmicas do capital, que sempre impuseram à sociedade seu direcionamento auto-expansivo conflitual/adverso, sem nenhuma consideração pelas consequências humanas. Eis porque o socialismo coloca-se na agenda histórica como a alternativa radical à vigência do capital sobre a sociedade”.

Em entrevista concedida a Matheus Pichonelli e Ricardo Carvalho, para a revista Carta Capital, o filósofo pontua, sobre os protestos e manifestações, tanto na Europa, tanto quanto na primavera árabe: “Os problemas do nosso sistema capitalista são tão grandes que levará um grande tempo para que qualquer movimento surta efeito. Esses protestos mostram uma disposição por uma mudança que emerge lentamente. A juventude está extremamente desencantada com as perspectivas para o futuro. Há um aspecto muito positivo nisso: no Egito, por exemplo, as manifestações foram lideradas por jovens detentores de pouco ou nenhum vínculo com partidos políticos. Também em uma economia capitalista mais estruturada, como a Inglaterra, onde por anos a juventude foi extremamente alienada, houve uma verdadeira rebelião contra o apoio do Partido Liberal ao aumento das taxas para a educação superior. Os liberais opunham-se a esse aumento durante a campanha e a juventude inglesa certamente os punirá nas futuras doações. Entretanto, há também um aspecto negativo: o que essa juventude indignada com a traição de um partido pode fazer? Esperar anos pelo próximo pleito e colocar um pequeno pedaço de papel numa urna de votação. E o que um partido diferente pode trazer de novo? Muito pouco, quase nada”.

Na mesma entrevista, Mészáros analisa: “O sistema capitalista atingiu o limite das suas contradições. Em vez de enfrentá-las, preferimos achar soluções superficiais, transformamos a tragédia numa farsa, como cunhou Karl Marx. Transformamos a tragédia em farsa quando, por exemplo, aceitamos a ideia de que vamos resolver os problemas climáticos simplesmente reduzindo os níveis de emissão de carbono. Mas caminhamos para a outra direção, consumindo energia de uma forma cada vez mais irresponsável. Nós multiplicamos a produção de carros porque a produção de carros precisa crescer. Contudo, o problema real é a necessidade de transporte. Nossa sociedade acostumou-se a jogar os problemas para debaixo do tapete. Nosso tapete histórico está se tornando uma montanha. E está cada vez mais difícil caminhar sobre ele. Rosa Luxemburgo dizia: “Socialismo ou barbárie”. Eu complemento: “Socialismo, se tivermos sorte”.

 

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O DESAFIO E O FARDO DO TEMPO HISTÓRICO – O SOCIALISMO NO SÉCULO XXI

Autor: István Mészáros
Editora: Boitempo
Preço: R$ 52,50 (400 págs.)

 

 

 

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