matraca

Rabo de Baleia

25 outubro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

capa do livro de poesias um enorme rabo de baleia

cruzaria a sala nesse momento
sem barulho algum o bicho
afundaria nas tábuas corridas
e sumiria sem que percebêssemos
no sofá a falta de assunto
o que eu queria mas não te conto
era abraçar a baleia mergulhar com ela
sinto um tédio pavoroso desses dias
de água parada acumulando mosquito
apesar da agitação dos dias
da exaustão dos dias
o corpo que chega exausto em casa
com a mão esticada em busca
de um copo d’água
a urgência de seguir para uma terça
ou quarta boia e a vontade
é de abraçar um enorme
rabo de baleia seguir com ela

A poeta carioca Alice Sant’Anna, com a publicação do livro Rabo de baleia, pela editora Cosacnaify, vem sendo reconhecida como poeta madura e uma das principais autoras de sua geração. Nas palavras de Heloisa Buarque de Hollanda Alice é sem dúvida uma protagonista da nova poesia no Brasil, e Rabo de baleia, um livro “já definitivo”. São trinta e cinco poemas, entre os quais intervenções no cenário cotidiano irrompem sem aviso.

Resgates serenos, captados pela delicadeza da autora antes que se perdessem, seus poemas são capazes de transformar a percepção do que parecia acabado e impermeável. Em uma entrevista, sobre o resgate possibilitado pela poesia, Alice disse: “O poema funciona como uma pintura. […] O poema é essa lembrança meio desfocada, que você se esforça para tentar estabelecer o mínimo de conexão com o que aconteceu concretamente. É uma forma de registro, mesmo sabendo que não é fiel aos fatos. O poema, acho, sempre parte de um fato, mesmo que o fato não tenha acontecido fora do pensamento. Parte de impressões que, talvez, por não serem importantíssimas, seriam esquecidas em questão de dias ou semanas. O poema de algum jeito transforma essa sensação em algo material, físico. Serve para driblar o esquecimento”.

Em relação ao seu primeiro livro, Dobradura, em que havia uma ternura e uma inocência pueril como principais características, Rabo de baleia é mais seco, por vezes desenvolve-se em uma poética inclusive violenta, extravasando um desconforto do sujeito que sente-se estrangeiro até na própria casa, desconcertado em relação ao mundo, ao outro. De um sentido concreto a um abstrato, aparecem investigações acerca das fraturas e a consequente constatação da fragilidade das coisas, como na porcelana trincada, de onde o temor emerge, ou nas diversas fraturas textuais e versos fragmentados a sugerirem um universo pessoal tortuoso. A solidão prevalece em seus poemas, suaves, porém densos.

RABO DE BALEIA
Autor: Alice Sant’Anna
Editora: Cosacnaify
Preço: R$ 19,60 (64 págs.)

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