matraca

Um sentido espiralado de existência

5 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

naufragiosEscrevo. Não faço outra coisa que descrever, este sucedâneo literário que encobre minha carência, minha incapacidade. Desespero”.

Naufrágios, da conhecida artista plástica e escritora Giselda Leirner, é um livro de fragmentos e destroços de história. Nesta coletânea de contos, fragmentos de vida escritos na primeira pessoa, autora, narradora e protagonistas muitas vezes se confundem, amalgamam-se ao mesmo tempo que são estranhas a si mesmas, sombras de sombras: simbolizam o esquecido e recalcado e encaminham ficção e realidade a mostrarem-se inextricáveis. A escritura e a vida duplicam-se mutuamente, e somos lembrados disso ao longo do livro, uma metaliteratura, a movimentar sentidos de existência. A escrita é uma roupa mortuária, que conserva a existência; de uma vida que naufraga, restam as palavras, concretudes de nostalgias.

O livro guarda um desespero calado irrecuperavelmente imiscuído às sombras do passado. Seus personagens são decadentes, solitários, encaram suas finitudes, a morte. Não há, porém, melancolia, as narrativas são vivas, suas questões não são oblíquas e suas mortes são carnais. Os personagens lidam com o que lhe é interiormente estranho, com o outro na própria identidade, cujas memórias constroem ao mesmo tempo que destroem. A dificuldade que trazem escancarada é a de viverem consigo mesmos. Segundo José M. Neistein, “vários personagens indagam, buscam, e geralmente não encontram Deus. Sofrem tanto que não se lembram de procurá-Lo dentro de si mesmos. O desejo ardente de encontrar um mínimo de certeza dentro das muitas incertezas atravessa o livro todo, como uma lança arremessada com toda força”.

Nas palavras de Márcio Seligmann-Silva, que assina o texto de apresentação do livro, por um lado, as narrativas de Naufrágios remetem “quase sempre a uma passagem para o mundo dos mortos” e, “por outro lado, Giselda Leirner, uma escritora experiente e escolada, não teme ou abre mão do gesto de refletir sobre sua própria atividade de escritora”; assim, o livro desenvolve-se de maneira profunda e intrigante, emergindo questões submersas ao próprio texto e ao próprio gesto da escrita, segundo Márcio, “revelando a escritura como um processo e como um modo de sobrevida, meio de trançar vida e morte e de passar de um polo a outro”. De acordo com a análise do crítico, “podemos falar deste livro, portanto, como uma escrita crepuscular, como uma obra que é extrato do desespero, porque não há nada mais a esperar senão a morte. Mas essa espera também é vida e – literatura. Trata-se aqui de um testamento (“tudo que escrevi é testamento”) e de um testemunho. Ambos os gestos têm a ver com a morte e a atestação. Atesta-se a vida no mesmo gesto em que se atesta a morte”.

A escritura como cicatriz restante da vida é um dos motes mais líricos deste livro ao um tempo intimista e intenso.

Desterrados, viveram no exílio que guardavam dentro de si por toda a vida, sabendo que vivenciavam a metáfora do homem moderno, o deserto e seu abandono.

NAUFRÁGIOS
Autor: Giselda Leirner
Editora: Editora 34
Preço: R$ 22,40 (136 págs.)

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