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O povo tupi-guarani do norte da Amazônia

4 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

parakanasInimigos fiéis: história, guerra e xamanismo na Amazônia é fruto de mais de dez anos de pesquisa entre os parakanãs, o povo tupi-guarani do norte da Amazônia – suas terras localizam-se nas bacias do Xingu e do Tocantins, no Estado do Pará –, que preservou sua autonomia até o início dos anos de 1970. Inimigos fiéis reconstrói a história oral de um século de existência desse povo, acompanhando as transformações estruturais, políticas e econômicas nos padrões de subsistência e nas formas sociopolíticas, a partir de uma análise microssociológica e comparativa.

O livro é baseado na premiada tese de doutorado de Carlos Fausto, reconhecida como uma importante contribuição para a teoria antropológica, principalmente pelo que diz respeito à análise das relações entre história e ação social. A intenção declarada de Inimigos Fiéis é “pensar as formas na história e a história nas formas“. A partir da observação dos aspectos cosmológicos e simbólicos da vida parakanã, Carlos Fausto a integra à análise histórica e sociológica uma perspectiva interna do povo em estudo, através de uma minuciosa exposição dos significados, valores, conceitos e teorias que fazem a dinâmica de sua ação social de maneira geral.

À orientação lévi-straussiana, Fausto cria um contraponto crítico, substituindo o reconhecimento da reciprocidade como forma social por excelência, pela noção marxista de “consumo produtivo”. A interpretação de Fausto é regida pela noção de predação, porém, a encara como, mais do que forma abstrata, um processo produtivo. O movimento argumentativo do livro encaminha uma análise sócio cosmológica mais ampla, a partir da observação e interpretação do complexo da guerra e das particularidades estruturais e simbólicas que encerra no xamanismo parakanã. Fausto, assim, traçando um reconhecimento estrutural de narrativas míticas, sonhos, práticas rituais e representações nativas, compreende a articulação entre identidade e alteridade operada pela guerra e pelo xamanismo e distingue duas noções amalgamadas no estruturalismo: predação e troca.

A análise simbólica e estrutural da guerra e do xamanismo indígenas depara-se com temas como o canibalismo e a caça de troféus, o universo onírico do xamã e seus espíritos familiares. Segundo Carlos Fausto, “a cosmologia e organização social de um grupo são produtos de uma história particular, a história desse grupo é também resultado de um estar-no-mundo mediado por formas socioculturais”. Assim, ele identifica um mundo povoado de inimigos, que cabe ao xamã e ao guerreiro tornar fiéis. O mundo parakanã é um mundo onde proliferam diferentes espécies de inimigos. “A ingestão simbólica do inimigo, que provoca transformações corporais e espirituais no matador, deixa de ser comparada ao consumo do alimento para desenvolvimento físico da força de trabalho. Seu lugar no processo de reprodução social passa a ser equiparado àquele do gasto produtivo nas sociedades capitalistas“.

INIMIGOS FIÉIS: história, guerra e xamanismo na Amazônia
Autor: Carlos Fausto
Editora: EDUSP
Preço: R$ 51,80 (592 págs.)

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