“Estou convencido de que os campos de prisioneiros, todos eles, são uma escola negativa; passar neles uma hora que seja é uma defloração. O campo de prisioneiros não dá, nem pode dar, nada de positivo a ninguém. Sobre todos, encarcerados e trabalhadores contratados, o campo age de modo deflorador”.
Na desolada região no extremo leste da Sibéria conhecida como Kolimá, onde as temperaturas chegam a 60 graus negativos, existiram alguns dos campos de trabalhos forçados mais temíveis e desumanos da era stalinista. É sobre eles que o escritor russo Varlam Chalámov (1907-1982) fala em Contos de Kolimá, recentemente lançado pela Editora 34, em uma edição cuidadosa, com tradução de Denise Sales e Elena Vasilevich, apresentação de Boris Schnaiderman e prefácio de Irina P. Sirotínskaia, companheira do escritor em seus últimos anos e profunda conhecedora de sua obra.
Chalámov, poeta e jornalista, conheceu profundamente Kolimá, pois alí cumpriu a maior parte de sua pena de quase vinte anos: preso político, trabalhou até 16 horas por dia em minas de ouro e carvão, constantemente doente e subnutrido.
Ao final da pena, o escritor retornou a Moscou e, no ano seguinte, começou a dedicar-se à composição de sua obra monumental, trabalho que lhe tomou mais novos vinte anos: Contos de Kolimá, mais de duas mil páginas divididas em seis volumes, que retomam de maneira profunda a memória do autor, uma vasta coleção de histórias da vida cotidiana nos campos de prisioneiros que forma um relato autobiográfico agudo, pois acompanhado por uma reflexão profunda sobre os limites do humano frente à brutalidade sem limites. Continue lendo