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“Os brancos dormem muito, mas só conseguem sonhar com eles mesmos”

8 maio, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Protesto por demarcação de terras indígenas, em Brasília (Foto: REUTERS/Gregg Newton)

Davi Kopenawa, líder dos Yanomami, no seu livro A queda do céu diz: “os brancos dormem muito, mas só conseguem sonhar com eles mesmos”.

Essa frase, para Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski, contém em si uma imagem do pensamento, uma teoria e uma crítica da filosofia ocidental: uma crítica do próprio projeto civilizatório. Para os Yanomami, o pensar é, essencialmente, sonhar: sonhar com o que não é humano, sair da humanidade.

Em Há um mundo por vir?, Viveiros de Castro e Danowski compreendem, da fala de Davi Kopenawa, que nosso pensamento – ocidental e etnocêntrico – está concentrado no “mundo da mercadoria” e, por isso, só vemos a nós mesmos: os brancos só sonham consigo mesmos, não saem de si mesmos, não saem da humanidade.

Uma questão em voga sobre determinação de civilizações, comunidades e territórios indígenas, ilustra um pouco da dimensão filosófica e política da discussão. Em entrevista – “Exceto quem não é” – de 26 de abril de 2006, no Instituto Socioambioental (ISA), Eduardo Viveiros de Castro, discutindo a noção de definição indígena, diz: “essa discussão — quem é índio? o que define o pertencimento? etc. — possui uma dimensão meio delirante ou alucinatória, como de resto toda discussão onde o ontológico e o jurídico entram em processo público de acasalamento. Costumam nascer monstros desse processo”. Para o antropólogo, a “Constituição de 1988 interrompeu juridicamente (ideologicamente) um projeto secular de desindianização, ao reconhecer que ele não se tinha completado. E foi assim que as comunidades em processo de distanciamento da referência indígena começaram a perceber que voltar a “ser” índio — isto é, voltar a virar índio, retomar o processo incessante de virar índio — podia ser uma coisa interessante. Converter, reverter, perverter ou subverter (como se queira) o dispositivo de sujeição armado desde a Conquista de modo a torná-lo dispositivo de subjetivação; deixar de sofrer a própria indianidade e passar a gozá-la. Uma gigantesca ab-reação coletiva, para usarmos velhos termos psicanalíticos. Uma carnavalização étnica. O retorno do recalcado nacional”. Continue lendo

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Guia de Leitura

Metafísicas canibais

30 outubro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

A pesquisa antropológica faz, de seu objeto de estudo, o próprio paradigma de seu trabalho: é a tese que defenderia o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, num livro, cujo título seria “O anti-Narciso”, que, porém, jamais conseguirá concluir, tese, esta, que mostra a antropologia como uma versão das práticas de conhecimento indígenas que lhe serviram de estudo.

Se o perspectivismo conceitualiza a visão abstrata que os povos indígenas têm da natureza, perspectivando-a humanamente, pode-se, a partir da discussão, analisar a teia de relações estabelecidas entre espelhamentos e apropriações de lógicas, bem como de maneiras de se conhecer o mundo, o outro e o próprio eu – individual ou social.

Nosso guia segue apenas uma das trilhas sugeridas por Viveiros de Castro.

 

Eduardo Viveiros de Castro, “A inconstância da alma selvagem”

A inconstância da alma selvagem foi a publicação que reuniu pela primeira vez em um único volume toda a trajetória intelectual do antropólogo até então [2002]. Os ensaios de Viveiros de Castro, em grande parte centrados nas sociedades amazônicas, analisam o pensamento indígena, através de um forte diálogo com a filosofia. Nestes escritos encontra-se o original conceito de “perspectivismo” – que diz respeito à concepção de que animais e espíritos ocupam legitimamente a posição de sujeitos. O perspectivismo ameríndio confere aos animais existência cultural, porém a partir de uma confluência de perspectivas, cujo ponto em comum é a subjetividade; pois os animais, assim como os humanos, veem-se como humanos – ainda que não vejam os humanos como animais. A questão, portanto, é posta como variável de acordo ponto de vista. A alteridade é vista sob diferentes formas estabelecidas por relações.

Conforme sintetiza, em resenha publicada na revista Mana, o professor da Unicamp Mauro W. Barbosa de Almeida: “A Inconstância, lembremos de novo, não é um tratado: é um livro de ensaios em movimento, que deixam à mostra o processo de descoberta. Um dos exemplos é que vemos primeiro o tema de uma pancosmologia ameríndia emergir no fascinante estudo dos modalizadores ontológicos yawalapíti (cap. 1); observamos, então, o jogo de perspectivas instáveis no diálogo do matador e da vítima (cap. 4), antes que o conceito mesmo apareça; e as várias modalidades de alterização através do canibalismo, até que, em um salto de imaginação, alimentada pelo diálogo de professor-aluna, vemos todos esses perspectivismos particulares se unificarem em um perspectivismo generalizado, agora na forma de um programa de pesquisa cheio de entusiasmo, consciente da descoberta de uma solução que é, por sua vez, o ponto de partida para uma “grande teoria unificada”. O professor aponta que a visão de Viveiros de Castro adota o ângulo de uma ontologia de modos de predação, que é intimamente conectada com “uma visão epistemológica quase desnorteadora por sua novidade, que é a teoria do perspectivismo ameríndio. Sem procurar resumi-la, essa teoria aponta para um aspecto crucial da pensée sauvage, mostrando os ameríndios como naturalistas que não apenas são taxonomistas ao estilo de Lineu, mas também argutos defensores, como Darwin, da unidade profunda que liga plantas, animais e humanidade, embora vendo essa unidade de um ângulo, por assim dizer, oposto, ao trazerem a animalidade para o domínio da humanidade”.

A “inconstância” da alma selvagem alude ao fato de que ao “tentarem catequizar os Tupinambá, os jesuítas encontravam sua maior dificuldade na ‘inconstância’ apresentada pelos índios. Estes pareciam sedentos para aprender os ensinamentos jesuíticos, mas a rapidez com que voltavam a seus antigos costumes era algo de assustador aos jesuítas”Continue lendo

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Metafísicas canibais

1 outubro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
fotografia de Eduardo Viveiros de Castro

fotografia de Eduardo Viveiros de Castro

O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro acaba de lançar o livro Metafísicas canibais, escrito à guisa de resenha  do livro imaginário que ele porém julga que jamais será capaz de terminar: O Anti-Narciso. Este, por sua vez, teria como objetivo provar a seguinte tese: a antropologia é uma versão das práticas de conhecimento indígenas que lhe serviram de estudo.

O perspectivismo ameríndio, conceito desenvolvido por Viveiros de Castro e que afirmou a sua celebridade intelectual enquanto estudioso original e relevante, é um exemplo de como o estilo de pensamento nativo afeta a imaginação antropológica. A reflexão do autor é guiada por duas obras fundamentais da filosofia e da antropologia: O Anti-Édipo, de Deleuze e Guattari, e as Mitológicas, de Claude Lévi-Strauss. A aproximação entre filosofia e antropologia visa a investigação da seguinte pergunta, “o que deve conceitualmente a antropologia aos povos que estuda?”. As culturas e sociedades estudadas antropologicamente “influenciam, ou, para dizer de modo mais claro, coproduzem” as teses formuladas.

Estas Metafísicas canibais reúnem parte significativa das reflexões que Viveiros de Castro vem desenvolvendo desde a publicação de A inconstância da alma selvagem, inclusive a reformulação da teoria perspectivista.  Continue lendo

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Ensaio sobre o medo e os fins

17 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A pergunta do título é desconcertante: Há mundo por vir?. O livro de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro, lançamento co-editado pela editora Cultura e Barbárie e pelo Instituto Socioambiental (ISA), propõe uma reflexão séria a respeito dos atuais discursos sobre “o fim do mundo”.

Lasar Segall

Atualmente, os materiais e análises sobre as causas (antrópicas) e as consequências (catastróficas) da “crise” planetária vêm se acumulando com extrema rapidez, mobilizando tanto a percepção popular quanto a reflexão acadêmica. Os discursos que traçam prognósticos fatalistas são pelos dois autores tomados como experiências de pensamento, como tentativas de invenção, não necessariamente deliberadas, de uma mitologia adequada ao presente.

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Certezas antropológicas contra as incertezas feministas ou vice-versa

26 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A CosacNaify acaba de publicar O efeito etnográfico, coletânea de dezesseis dos artigos mais influentes da antropóloga britânica Marilyn Strathern, publicados entre 1980 e 2004. Os textos foram traduzidos por Iracema Dulley, Jamille Pinheiro e Luísa Valentini e o volume conta com texto de quarta capa escrito por Eduardo Viveiros de Castro.

Strathern, autora de O gênero da dádiva (UNICAMP, 2006) aborda temas diversos como as categorias etnográficas de doméstico e selvagem, gênero, parentesco, economias da dádiva versus economia da mercadoria, noção de pessoa, evento histórico, cultura material, técnicas de fertilização, direitos de propriedade intelectual, além de empreender uma reflexão sobre a própria antropologia.  Continue lendo

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Onomatotêmico

5 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O poema Totem, de André Vallias, é considerado por muitos o “(contra-)hino” de nossos tempos: foi escrito a partir de 222 nomes de povos indígenas. Compostas numa tipologia criada pelo autor, as 26 estrofes do poema tem como imagem de fundo o Mapa Etno-Histórico de Curt Nimuendajú.

O poema foi concebido por André Vallias para ser reproduzido em 13 metros de comprimento, no chão do centro cultural Oi Futuro Ipanema, no Rio de Janeiro. O poeta criou uma tipologia especial para apresentá-lo, além de um totem multimídia e uma vitrine com informações sobre todas as etnias citadas.

Agora, acaba de ser publicado em forma de livro-álbum, com as folhas soltas, pela editora Cultura e Barbárie. O álbum contém o poema em 40 impressões coloridas (cera térmica), com caixa feita em serigrafia. Contém ainda uma interessante introdução trilíngue (português, inglês e guarani-kaiowá) de Eduardo Viveiros de Castro, além de mapa e gráficos com dados dos povos indígenas no Brasil. O conjunto é um grito de guerra.

Outro trabalho de Vallias na mesma direção temática, o poema “Mas que país obtuso”

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