O estranhamento é ferramenta imediata para análise: sobretudo sobre si próprio, individual ou socialmente. É, pois, instrumento retórico por excelência.
O olhar de estranhamento rebate-se num jogo de espelhos invertidos, desdobrando a noção do outro como analogia possível – tal o conceito de outridade de Octavio Paz, descrito no ensaio Signos em rotação; base de construção histórica, como vista por Carlo Ginzburg: “Grandes olhos de madeira, por que olhais para mim?”.
Tolstói, com seu conto Kholstomer, aborda, suscitado-os a partir de um estranhamento irônico, aspectos fundamentais de sua crítica à sociedade de sua época, às contradições do capitalismo e das noções de propriedade privada e a posse.
Kholstomer é um cavalo puro-sangue, porém malhado, razão que faz com que seu dono o mande castrar, para não prejudicar a raça. Por ser malhado, o cavalo também é alvo de ridicularização e de desprezo pelos outros cavalos, conta Tolstói que “o motivo da crueldade dos cavalos devia-se também a um sentimento aristocrático”, pois o malhado tinha origem desconhecida. O conto constrói uma metáfora que caracteriza as relações sociais da época.
Ao próprio cavalo, o estranhamento – espelho de efeito crítico ácido – é ser posse humana: “[…] mas, naquele momento, não houve jeito de entender o que significava me chamarem de propriedade de um homem”; para Kholstomer, a expressão “meu cavalo”, referindo-se a ele, reflete-lhe tão estranhamente quanto “minha terra” e “minha propriedade”.
Ao passo que ele reflete sobre o significado dessas “palavras confusas”, percebe a vastidão de sua aplicação conceitual: “mais tarde, depois que ampliei o círculo das minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos, o conceito de “meu” não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens, que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade”. Sua interessante conclusão, é que a orientação humana não é dada pelas ações, senão pelas palavras. Continue lendo