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O paradoxo do espetáculo

25 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

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Um dos grandes professores do departamento de filosofia da USP, Luiz Roberto Salinas Fortes (1937 – 1987), obteve, em 1983, o título de livre-docente, com a tese Paradoxo do espetáculo, transformado em livro pela Discurso Editorial. Nela, Salinas analisa a obra política de Jean Jacques Rousseau e realça a “importância da ideia de ‘teatro’ e ‘encenação’ (a não ser confundida com a mera ‘representação’) na ética e na política de Rousseau: é preciso algo como um cenário material disposto com sabedoria, para reconduzir a alma à virtude (o ‘materialismo do sábio’) e a cidade à justiça (a festa política que deve substituir o teatro existente no mundo moderno, e que estava ainda embutida na tragédia grega)”.

O teatro é decisivo para a articulação filosófico-politica de Rousseau. Como aponta o professor Luis Fernando Franklin de Matos, na apresentação ao livro, o teatro, para o filósofo genebrino “é o objeto de severa e inquietante reflexão na Carta a d’Alembert sobre os Espetáculos, uma das mais terríveis peças de acusação jamais escritas contra o teatro; é a metáfora obsecante que está em toda parte: no rigor do moralista, na severidade do pedagogo, nas novidades do pensador político. Em suma, o teatro é o ”paradigma essencial” que organiza o ”sistema” rousseauniano em sua totalidade”.  Continue lendo

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Guia de Leitura

Textos cujo argumento crítico baseia-se no estranhamento

6 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

O estranhamento é ferramenta imediata para análise: sobretudo sobre si próprio, individual ou socialmente. É, pois, instrumento retórico por excelência.

O olhar de estranhamento rebate-se num jogo de espelhos invertidos, desdobrando a noção do outro como analogia possível – tal o conceito de outridade de Octavio Paz, descrito no ensaio Signos em rotação; base de construção histórica, como vista por Carlo Ginzburg:  “Grandes olhos de madeira, por que olhais para mim?”.

 

Liev Tolstói, "O diabo e outras histórias"

Liev Tolstói, “O diabo e outras histórias”

Tolstói, com seu conto Kholstomer, aborda, suscitado-os a partir de um estranhamento irônico, aspectos fundamentais de sua crítica à sociedade de sua época, às contradições do capitalismo e das noções de propriedade privada e a posse.

Kholstomer é um cavalo puro-sangue, porém malhado, razão que faz com que seu dono o mande castrar, para não prejudicar a raça. Por ser malhado, o cavalo também é alvo de ridicularização e de desprezo pelos outros cavalos, conta Tolstói que “o motivo da crueldade dos cavalos devia-se também a um sentimento aristocrático”, pois o malhado tinha origem desconhecida. O conto constrói uma metáfora que caracteriza as relações sociais da época.

Ao próprio cavalo, o estranhamento – espelho de efeito crítico ácido – é ser posse humana: “[…] mas, naquele momento, não houve jeito de entender o que significava me chamarem de propriedade de um homem”; para Kholstomer, a expressão “meu cavalo”, referindo-se a ele, reflete-lhe tão estranhamente quanto “minha terra” e “minha propriedade”.

Ao passo que ele reflete sobre o significado dessas “palavras confusas”, percebe a vastidão de sua aplicação conceitual: “mais tarde, depois que ampliei o círculo das minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos, o conceito de “meu” não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens, que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade”. Sua interessante conclusão, é que a orientação humana não é dada pelas ações, senão pelas palavras.  Continue lendo

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Os paradoxos da corrupção

18 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

 

“O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro-o. Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão”.

(Rousseau, na tradução brasileira de Lourival Gomes Machado).

 

O pensamento de Rousseau abre um abismo entre o ser e o dever ser, onde o dever ser aparece como uma exigência de realização. É assim que Olgária Matos define o Segundo Discurso – Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens – como uma “arqueologia da desigualdade”, termo também utilizado por Bento Prado Jr., em “Rousseau: filosofia política e revolução”.

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Literatura

A erudição da experiência literária

2 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

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A erudição de Erich Auerbach traduz-se na abrangência e clareza quase artística de suas análises críticas literárias, cuja contribuição passa pela sociologia da literatura, pela escrita da história e principalmente pelos estudos filológicos, amparados, esses, pela filosofia e pela história das ideias. Auerbach é uma das mais significativas referências nos estudos de caráter hermenêutico e de exegese literária do Ocidente e indagam o âmago da experiência humana histórica. Seu legado intelectual perpetua-se intensamente presente com o passar das gerações acadêmicas.

Em Ensaios de literatura ocidental, publicado pela editora 34, com organização de Davi Arrigucci Jr. e Samuel Titan Jr. e traduzido por Samuel Titan Jr. e José Marcos Mariani de Macedo, são reunidos quinze estudos publicados entre 1927 e 1954, quase todos inéditos em português. São ensaios dedicados às perspectivas dos estudos literários e do humanismo no contexto da cultura globalizada, à ideia cristã de “estilo humilde”, às obras de Dante e Vico, à literatura francesa de Montaigne a Proust, passando por Pascal, Rousseau, Racine e Baudelaire. Continue lendo

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