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Literatura

Khadji-Murát

22 agosto, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Tipos caucasiano,s representados pelo artista I. Mikeshin

Khadji-Murát, de Lev Tolstói (1828-1910), foi relançado no Brasil, pela editora 34, com a primorosa tradução de Boris Schnaiderman. O volume conta ainda com o ensaio “Tolstói: antiarte e rebeldia”, em que Schnaiderman, fundamentado nos diários do autor e em extenso material crítico, contextualiza, na vida e na obra do escritor, a posição peculiar que Khadji-Murát ocupa na sua produção literária e intelectual.

A obra foi editada postumamente em 1912 e a maior parte dos críticos considera que tenha sido composta entre 1896 e 1904. Boris Schnaiderman sugere que a composição tenha sido mais longa, argumentando que “os rascunhos encontrados após a morte de Tolstói somam 2.166 páginas”. A novela e sua própria forma foram objeto de um profundo embate literário do autor. Em 1893, Lev Tolstói anotava em seu diário que: “A forma do romance acabou”; não tratava-se de derrotismo, mas da consciência do início de uma luta intelectual em busca da criação de uma nova forma literária: a concisão da novela, que mantém a abrangência das múltiplas linhas narrativas dos seus grandes romances. O resultado desse embate é Khadji-Murát, obra-prima de atualidade impressionante.

A novela narra a história verídica do líder rebelde caucasiano Khadji-Murát (1796-1852), em sua luta contra a incorporação da Tchetchênia e do Daguestão pelos russos. A região até hoje é foco de instabilidade política. Continue lendo

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Guia de Leitura

Boris Schnaiderman e suas belas traduções

8 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Escritor, professor, tradutor: Boris Schnaiderman, intelectual generoso, foi certamente o maior responsável pelo acesso e divulgação da literatura russa no Brasil, fundador de uma nova era na tradução brasileira – uma tradição de traduções cuidadosas diretas do russo para o português.

Boris juntou à prática acadêmica o exercício de jornalismo literário, o culto aos clássicos e o interesse pelos novos escritores. Como tradutor, realizou um trabalho que esteve associada à docência e à produção incessante de artigos e livros, mas que combinou, a este, outros trabalhos, como os desenvolvidos em equipe (com os poetas Augusto e Haroldo de Campos, posteriormente com Nelson Ascher) e trabalhos independentes.

Suas traduções sempre foram caracterizadas pela autonomia e pelo extremo cuidado no tratamento com o texto. Autores tão diferentes como Górki e Tchekhov merecem, a cada reedição das traduções, um reexame detalhado e importantes melhoramentos.

Em entrevista, Boris certa feita disse não gostar da expressão “texto intraduzível”: trata-se apenas de um dos grandes desafios que uma tradução apresenta.

 

A. P. Tchekhov, “A dama do cachorrinho – E outros contos”

A primeira tradução assinada por Boris Schnaiderman [fizera algumas amadoras antes, sob o nome de um pseudônimo] foi A dama do cachorrinho, em 1959, quando ele tinha 42 anos. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 06 de maio de 2001, Schnaiderman conta: “Minhas traduções anteriores eu havia publicado com pseudônimo. Não as reconheço. Eu não tinha experiência. Mesmo com a tradução de ‘A Dama do Cachorrinho’ não fiquei satisfeito e a refiz várias vezes. Aliás, faço isso com todas as minhas traduções”.

Os contos breves, precisos e tocantes de Anton Tchekhov (1860-1904) revolucionaram a maneira de escrever narrativas curtas, tornaram-se mundialmente conhecidos e influenciaram os principais escritores que posteriormente dedicaram-se ao gênero. Grande parte da originalidade de Tchekhov reside no papel fundamental que desempenham, em suas histórias, a sugestão e o silêncio, a ponto de, muitas vezes, o mais importante ser justamente o que não é dito. Continue lendo

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Guia de Leitura

Textos cujo argumento crítico baseia-se no estranhamento

6 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

O estranhamento é ferramenta imediata para análise: sobretudo sobre si próprio, individual ou socialmente. É, pois, instrumento retórico por excelência.

O olhar de estranhamento rebate-se num jogo de espelhos invertidos, desdobrando a noção do outro como analogia possível – tal o conceito de outridade de Octavio Paz, descrito no ensaio Signos em rotação; base de construção histórica, como vista por Carlo Ginzburg:  “Grandes olhos de madeira, por que olhais para mim?”.

 

Liev Tolstói, "O diabo e outras histórias"

Liev Tolstói, “O diabo e outras histórias”

Tolstói, com seu conto Kholstomer, aborda, suscitado-os a partir de um estranhamento irônico, aspectos fundamentais de sua crítica à sociedade de sua época, às contradições do capitalismo e das noções de propriedade privada e a posse.

Kholstomer é um cavalo puro-sangue, porém malhado, razão que faz com que seu dono o mande castrar, para não prejudicar a raça. Por ser malhado, o cavalo também é alvo de ridicularização e de desprezo pelos outros cavalos, conta Tolstói que “o motivo da crueldade dos cavalos devia-se também a um sentimento aristocrático”, pois o malhado tinha origem desconhecida. O conto constrói uma metáfora que caracteriza as relações sociais da época.

Ao próprio cavalo, o estranhamento – espelho de efeito crítico ácido – é ser posse humana: “[…] mas, naquele momento, não houve jeito de entender o que significava me chamarem de propriedade de um homem”; para Kholstomer, a expressão “meu cavalo”, referindo-se a ele, reflete-lhe tão estranhamente quanto “minha terra” e “minha propriedade”.

Ao passo que ele reflete sobre o significado dessas “palavras confusas”, percebe a vastidão de sua aplicação conceitual: “mais tarde, depois que ampliei o círculo das minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos, o conceito de “meu” não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens, que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade”. Sua interessante conclusão, é que a orientação humana não é dada pelas ações, senão pelas palavras.  Continue lendo

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