Após dezoito anos esgotado no mercado editorial brasileiro, volta às livrarias o primoroso romance Mina R, de Roberto de Mello e Souza, (1921-2007), irmão do crítico literário Antonio Candido. O livro foi publicado no ano passado pela Ouro sobre Azul, fora editado em 1973 pela Duas Cidades e, em 1995, pela Record. A nova edição traz como apêndice quatro críticas elogiosas, escritas por Boris Schnaiderman – segundo quem, Mina R é “um livro cuja ausência em nossas livrarias, esses anos todos, era uma prova pungente de nossa miséria cultural” –, Berta Waldman, Giuseppe Carlo Rossi (especialista italiano em língua e literatura portuguesa e brasileira) e Manuel da Costa Pinto.
O livro destaca-se por sua desenvoltura literária e por ser uma das poucas obras de ficção sobre a Segunda Guerra Mundial. As situações e personagens do romance foram reinventados, porém com respaldo histórico baseado na própria vivência do autor, que integrou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e participou na Campanha da Itália em um batalhão encarregado de desarmar minas. A mina R que dá título ao livro é um tipo de artefato que continha 5 kg de dinamite e um poder de impacto de 180 kg, considerado na época como o mais perigoso de todos: o livro narra o enfrentamento do protagonista com essa arma letal. “Acho que quando você desarma mina a guerra fica sendo só sua e que cada mina é uma guerra que você ganha. Sozinho”, diz o narrador.
Escrito de modo a misturar a linguagem cotidiana com técnicas literárias modernas elaboradas, como o fluxo da consciência e a mistura de vozes e tempos, Mina R contempla os aspectos cotidianos do conflito, uma visão subjetiva, cada vez mais valorizada pela historiografia. Seu caráter histórico, assim, é engrandecido, a sinceridade na demonstração dos sentimentos dos soldados, permite com que se analise a guerra de maneiras mais profundas e humanas.
Segundo Sérgio Augusto, em artigo para o jornal O Estado de S.Paulo, o núcleo do romance é o cotidiano do front, “seus desconfortos, sobressaltos, desalentos, suas calamidades e pequenas recompensas: corpos dilacerados por balas, morteiros e bombas, o inferno em carne viva, um cheiro permanente de pólvora e sangue no ar, medo e coragem em cada palmo de neve (“ninguém tinha vergonha de ter medo porque nós sabíamos que coragem não é não ter medo mas ter medo e aguentar a mão”), a camaradagem reconfortante, sem a qual, comenta ainda o narrador, “a gente viraria um animal mesmo, porque aquilo tudo que a gente estava fazendo era um troço muito feio”. Para Sérgio Augusto, “a narrativa, próxima do coloquial, flui como a de um Hemingway de sotaque mineiro, com esparsa pontuação e toques rosianos”.
Nas palavras de Arthur Dapieve, no artigo “Causos em meio ao caos”, publicado no blog do Instituto Moreira Salles: “A força centrípeta da linguagem ordena mesmo o caos. […] No caso da guerra, mãe de todos os caos, esse paradoxo se faz sentir de modo ainda mais forte. Apenas pequena parte da ficção produzida sobre o assunto consegue amenizar tal força, refletindo no próprio coração das palavras o desamparo da soldadesca. Mina R, de Roberto de Mello e Souza, é um desses raros livros”.
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“O silêncio no front é um trem muito diferente desse aqui que a gente está acostumado.(…) É um silêncio assim muito engatilhado”.
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Autor: Roberto de Mello e Souza
Editora: Ouro sobre Azul
Preço: R$ 44,00 (236 págs.)