história

Tradição intelectual latino-americana

11 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Plano de Tenochtitlan

Acaba de chegar à livraria 30porcento A cidade das letras, de Ángel Rama (1926-1983), “o maior crítico literário que a América Latina teve”, segundo as palavras de Antonio Candido.

Rama aqui analisa a concepção, o planejamento e a consolidação das cidades latino-americanas. Sua investigação parte da destruição da asteca Tenochtitlán, em 1521, até a inauguração de Brasília, na década de 1960. O livro examina os valores que pautaram a formação das cidades e o discurso urbano da conquista.

Trata-se de uma erudita revelação de cidades latino-americanas através do desenvolvimento das letras e da ordem dos signos: um paralelo entre os projetos urbanísticos e o ideal de urbe limpa, estéril e civilizada. 

Joaquim Vieira de Campos Neto, historiador e arquiteto do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo, em artigo, resume: A cidade das letras é dividida em seis capítulos, mostrando, cada um deles, uma etapa da evolução das cidades latino-americanas a partir da destruição da cidade de Tenochtitlan, em 1521, por Hemán Cortes, e sua remodelação levada a cabo pelos conquistadores espanhóis, até a inauguração de Brasília, considerada como “o mais fabuloso sonho de urbe de que foram capazes os americanos”. O autor não analisa, consigo, preconcebidas, as ideias de cidade e de sociedade, uma espécie de “Leito de Procusto”, ao qual nada do existente poderia ser adaptado, tudo deveria ser destruído para que fosse construído o signo, que deixa de estar ligado ao significante pelos laços da semelhança e passa a significar dentro do próprio conhecimento, e dele tomar sua existência”. Justamente, aponta …, junto “com esta ‘escritura urbana’, a palavra escrita iniciou sua carreira no continente. Exigia-se, para assegurar a posse do solo, um verdadeiro ritual: necessitava-se de um escrivão, um escrevente e até de um escritor para redigir uma escritura. Esta tinha a missão de dar fé, a fé só procedia da palavra escrita. A palavra escrita seria na América Latina a única válida, em oposição à palavra falada que pertencia ao ramo do inseguro e do precário. No centro de toda cidade, houve uma cidade letrada: uma plêiade de religiosos, administradores, educadores, profissionais, escritores e múltiplos servidores intelectuais”.

Flávio Aguiar, pesquisador e professor de literatura brasileira da USP, no texto de orelha da presente edição, afirma: “Ainda hoje boa parte da intelectualidade latino-americana – a brasileira inclusa – tem mais facilidade para falar de uma ‘cultura europeia’ do que de uma ‘cultura latino-americana’. E as razões são óbvias: trata-se do estancamento da reflexão numa imagem cada vez mais irreal de uma Europa ‘encantada’, unitária, verdadeira pólis da cultura e da democracia no pós-Segunda Guerra Mundial, embalada pelo Plano Marshall e pela vitória do capitalismo sobre o comunismo, muito embora hoje essa mesma Europa esteja cada vez mais próxima do desencanto, da fragmentação, da desconstrução de sua autoimagem positiva e da construção do seu Terceiro Mundo disfórico às margens do Mediterrâneo e do Atlântico, com Portugal”. Para Aguiar, este “é um livro revolucionário, escrito por um revolucionário, para espíritos revolucionários – ou para revolucionar os espíritos acomodatícios”.

A cidade das letras é considerada uma obra de referência para a teoria literária. Nele, experiência histórica é compreendida em conformidade com o contexto social, ideológico e político que promovia as produções culturais latino-americanas. O livro, publicado postumamente, é um dos mais expressivos da maturidade intelectual desde grande crítico. Sua análise parte da cultura para debater temas urbanísticos, sociais e econômicos, retratando as gamas sutis de relações entre os letrados e as estruturas de poder. Rama mostra como as cidades do “novo” continente foram idealizadas e racionalmente estruturadas como um sonho de ordem, em contraposição às caóticas cidades renascentistas surgidas de espaços medievais, “orgânicos”. Sua tese defende que a luta pelo controle da palavra escrita descentralizaria seu domínio, reconfigurando não só suas relações com a sociedade civil, mas também entre intelectuais e o público, entre a letra e poder.

O livro ficou conhecido no Brasil pela edição da editora Brasiliense, de 1985, também com tradução feita por Emir Sader, que há muito estava esgotado. Agora novamente publicado, pela editora Boitempo, como parte integrante da coleção Marxismo e Literatura, a cuidadosa edição conta com apresentação de Mario Vargas Llosa e prefácio de Hugo Achúgar, um índice onomástico com uma curta biografia para cada nome citado.

angel rama

 

 

A CIDADE DAS LETRAS

Autor: Ángel Rama
Editora: Boitempo
Preço: R$ 26,60 (140 págs.)

 

 

 

 

Send to Kindle

Comentários