Guia de Leitura

As traduções da Odisseia

4 dezembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Uma tradição tradutora no Brasil consolida-se em diversas áreas, para a felicidade do leitor. Traduções diretas do original, ao invés de mediadas por outras traduções, começam a ser, cada vez mais, verdadeiras exigências.

Obras clássicas sobretudo acabam tendo diversas traduções e, assim, o leitor pode escolher a vertente teórica que mais lhe adequa – se leituras mais fiéis ao original em sua forma, se leituras mais acessíveis a seu vocabulário contemporâneo, se historicamente mais fieis.

A Odisseia tem, atualmente no mercado brasileiro, algumas diferentes traduções. As mais comentadas divergem justamente pela concepção da obra e de sua transmissão pelos respectivos tradutores.

 

Homero, Odisseia [tradução de Frederico Lourenço]

A tradução do português Frederico Lourenço, publicada pela Companhia das Letras, conseguiu reproduzir uma versão fluente e mais prosaica, capaz de transmitir o texto aos leitores contemporâneos sem grandes estranhamentos.

A versão da Penguin-Companhia das Letras vem com um “guia de leitura” ao final, com algumas questões de verificação de compreensão acerca de alguns episódios, com respectivas respostas, além de uma seleção bibliográfica recomendada à guisa de comentário – dois livros publicados nos Estados Unidos, dois na Inglaterra e um em Portugal.

A edição conta com introdução e notas escritas pelo falecido professor inglês Bernard Knox, estudioso dos textos da Grécia Antiga, debruçou-se durante a carreira acadêmica principalmente sobre a obra de Sófocles e foi diretor e fundador do Centro de Estudos Helênicos da Universidade de Harvard. O tradutor Frederico Lourenço é também responsável pelo prefácio.

A editora disponibiliza trecho do Canto I em seu site.

 

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Homero, Odisseia [trdaução de Donaldo Schüler]

A tradução de Donaldo Schüler, publicada pela L&PM, é uma ousada mistura de ritmos e de registro. De acordo com Guilherme Gontijo Flores – tradutor da Anatomia da melancolia e professor da UFPR –, em análise publicada no jornal Folha de São Paulo, seu resultado é “desigual e por vezes infeliz”

A edição é bilíngüe e disposta em três volumes.

Eis um trecho de sua tradução, divulgado pela revista Carbono:

– O banho de Odisseu –

A água não remove apenas as impurezas do corpo. Odisseu
deixa simbolicamente na banheira infrações de vinte anos.
Sai da água um novo Odisseu, que é o mesmo, o que há duas
décadas partiu para a guerra. A água, que não permitiu a
emergência dos corpos dos que saborearam a carne dos
bois de Hélio, deixa o navegador vitorioso no vestíbulo de
nova etapa. O banho do herói corresponde à limpeza
do palácio. Os cadáveres dos pretendentes mortos foram
todos removidos. Em lugar da baderna de todos os dias, o
silêncio da sala tratada com enxofre envolve o casal.

 

 

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Homero, Odisseia [tradução de Trajano Vieira]

A tradução de Trajano Vieira, publicada pela editora 34, venceu o Prêmio Jabuti. Há uma versão original e uma edição de bolso, ambas bilíngues. A edição original conta com bibliografia sugerida, excertos da crítica e um ensaio do escritor Italo Calvino. A edição de bolso traz também a bibliografia sugerida e excertos da crítica, além de um pequeno e belo texto de Franz Kafka, inspirado na obra de Homero.

O tradutor, Trajano Vieira, é doutor em Literatura Grega pela USP e professor de Língua e Literatura Grega na Unicamp. Além de ter colaborado, como organizador, na tradução realizada por Haroldo de Campos da Ilíada de Homero [veja a entrevista com Haroldo de Campos sobre a tradução, feita por Nelson Ascher, para o jornal Folha de São Paulo], tem se dedicado a traduzir poeticamente tragédias do repertório grego. Trajano é reconhecido através de prêmios no Brasil por buscar preservar ao máximo a fina tessitura linguística e recriar poeticamente os ritmos e sonoridades do original. Sua tradução de Agamêmnon também recebeu o Prêmio Jabuti de Tradução.

 

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Homero, Odisseia [tradução de Christian Werner]

A tradução de Christian Werner, publicada pela Cosacnaify é considerada uma leitura acessível. Werner, professor de língua e literatura grega na USP, conforme cita Guilherme Gontijo Flores, na supracitada análise sobre a presente tradução, publicada no jornal Folha de São Paulo, buscou conferir ao texto traduzido “clareza, fluência e poeticidade, elementos fundamentais do original”. Para Gontijo Flores, a tradução de fato atinge “bastante fluência e clareza” e “ainda preza por dois fatores importantíssimos da poética homérica até hoje poucos explorados na maioria das outras traduções: as repetições de expressões e estruturas , que marcam a oralidade original do texto em suas fórmulas, e os efeitos que decorrem da sintaxe dos textos, sobretudo nos casos de ‘enjambement’ (quebra de versos) e dos posicionamentos fixos de algumas estruturas”. De acordo com Flores, é por isso que a tradução de Werner é “a que mais se aproxima de um modelo de composição oral, embora preze sempre que possível pela clareza que um decalque certamente impediria. Assim, em comparação às traduções mais recentes de Schüler, Vieira e Lourenço, a nova se aproxima sobretudo da de Lourenço”.

A edição conta com apresentação de Richard Martin, introdução do próprio Christian Werner e posfácio de Luiz Alfredo Garcia Roza. Traz, ainda, dois apêndices, o poema “Ítaca”, de Konstantinos Kaváfis, e um conto de Kafka, intitulado “O silêncio das sereias”. O volume apresenta também um glossário de nomes próprios.

A Cosacnaify disponibiliza um trecho para visualização.

A editora publicou, também, uma edição especial, acompanhada de 26 pranchas encartadas e colagens do artista Odires Mlászho.

 

Antes destas mais recentes traduções, havia no Brasil duas versões disponíveis: a primeira, de Manuel Odorico Mendes, realizada no século XIX e publicada somente em 1928, seguia a tradição épica em português, empregando o decassílabo, porém branco. Uma tradução notável pelo preciosismo lexical, pelo uso de estruturas sintáticas incomuns e neologismos, empregados principalmente para traduzir os epítetos gregos, latinizando-os ou somente transliterando-os, como, por exemplo, em “Aurora dedirrósea” [Aurora de dedos róseos]. Sua tradução foi reeditada pela EdUSP e Ars Poetica, com organização, notas suplementares e prefácio de Antonio Medina Rodrigues.

A segunda tradução, publicada na década de 1960, é de Carlos Alberto Nunes, cujo principal critério foi transpor o metro original do poema – hexâmetro dactílico – para o português. O resultado foram versos de dezesseis sílabas poéticas, cujo ritmo é a sequência de seis grupos de sílabas, sendo que os cinco primeiros são compostos, cada um, por uma sílaba tônica e duas átonas, e o sexto grupo composto, em geral, de uma tônica e uma átona.

A tradução de Carlos Alberto Nunes foi republicada recentemente pela editora Hedra.

A tradutora Denise Bottman, em seu ótimo blog, “Não gosto de plágio”, levantou algumas questões interessantes sobre algumas alterações que as traduções da Odisseia receberam em suas recentes republicações.

 

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