Literatura

Agudas memórias

7 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Ivan Turguêniev, conhecido especialmente por seu romance Pais e filhos, nasceu em 1818, em Oriol, na Rússia. Aos vinte anos, mudou-se para Berlim, onde estudou filosofia, letras clássicas e história. Pouco depois, em 1843, conheceu o grande crítico literário Bielínski e, influenciado por suas ideias, publicou contos inspirados pela estética da Escola Natural, depois reunidos em Memórias de um caçador, coletânea que, publicada originalmente em 1852, obteve enorme sucesso na Rússia e na Europa. O volume agora é lançado no Brasil, com tradução de Irineu Franco Perpetuo em edição cuidadosa da Editora 34. O conjunto dos contos é reconhecido como um dos mais profundos e tocantes retratos da antiga Rússia. Sua denúncia, sutil, porém contundente, da injustiça da servidão acabou por representar-se fundamental no processo de emancipação dos servos, em 1861, o episódio mais importante da história russa do século 19. Conforme diz o tradutor no posfácio, após a publicação do livro o censor moscovita, a quem o autor submetera o manuscrito justamente por saber da menor rigidez daquele em relação aos censores de São Petersburgo, perdeu o emprego; Turguêniev, por sua vez, foi condenado a um mês de prisão domiciliar em Spásskoie.

Robson Vilalba, em artigo publicado no Jornal Rascunho, diz: “O tempo pode voar como um pássaro, mas pode também se arrastar como um verme. O aforismo ilustra à perfeição a recepção crítica da obra de Ivan Serguêievitch Turguêniev (1818-1883), dividindo-a em duas partes: dos primeiros contos publicados em periódicos na década de 1840 até o lançamento de Pais e filhos (1862), ela foi recebida com crescente admiração e louvor pela intelligentsia de seu país natal”. Conforme sua análise, “Em Memórias de um caçador, as bases do econômico e rigorosamente organizado universo ficcional de Turguêniev são estabelecidas, e seriam seguidas à risca nos seus romances: o ponto de partida de sua escrita é a vívida construção de personagens a partir de experiências autobiográficas ou pessoas reais que o escritor conheceu, descrições idílicas e enlevadas da natureza e exposição das idéias através de agudos diálogos perpassados por aforismos […], naquele método que por acaso é a base do pensamento ocidental, o socrático”.

O estilo refinado de Turguêniev em suas descrições memoráveis das paisagens e dos homens do povo pelo interior da Rússia, é mantido nessa ótima tradução, feita direta do russo. O jornal Folha de São Paulo disponibilizou um trecho da tradução, a narrativa “Khor e Kalínitch”, que abre Memórias de um Caçador:

            “Quem já foi do distrito de Vólkhov ao de Jizdra possivelmente ficou espantado com a aguda diferença no aspecto das pessoas da província de Oriol e de Kaluga. O mujique de Oriol é baixo, arqueado, soturno, olha de soslaio, mora em umas isbás de álamo pequenas e malfeitas, presta corveia, não faz comércio, come mal, calça alpargatas; o camponês arrendatário de Kaluga habita em espaçosas isbás de pinheiro, é alto, olha de forma sorridente e alegre, tem o rosto limpo e claro, comercia manteiga e alcatrão e usa botas nos feriados”.

 

MEMÓRIAS DE UM CAÇADOR

Autor: Ivan Turguêniev
Editora: 34
Preço: R$ 41,30 (488 págs.)

 

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