A anglo-indiana Jhumpa Lahiri foi o grande nome anunciado como participante da Flip deste ano, que acontecerá entre os dias 30 de julho e 3 de agosto. A escritora foi a ganhadora do Prêmio Pulitzer de 2000 com seu livro de estreia, a coletânea de contos Intérprete de males – publicado pela Companhia das Letras e traduzido por Paulo Henriques Britto, o livro infelizmente está esgotado, disponível apenas em sebos. Seu mais recente livro, Aguapés, será lançado em pela Festa Literária, pela editora Globo.
Intérprete de Males é composto por nove contos, nos quais Lahiri fascina pela capacidade de observação que imprime sobre a realidade de suas personagens. A autora, através de uma prosa fluída, lida com a curiosidade e a observação do outro nos seus estados mais puros. Quase todas as personagens são indianos radicados nos EUA, à procura de pequenas sensações que remetam-lhes à sua cultura natal e a suas raízes históricas, quer comidas que os façam lembrar das situações domésticas e da família, quer a procura de notícias sobre seu país, na iminência de outras guerras pela tensão nuclear entre a Índia e o Paquistão.
Jhumpa Lahiri, que narra parte dos nove contos em primeira pessoa, coloca-se como uma espécie de intérprete entre o Novo Mundo e o Oriente. O protagonista do conto que dá título à coletânea trabalha como intérprete de um médico, cuja clientela inclui pessoas que falam os mais diferentes idiomas – comum na Índia, país em que é tradicional a convivência de centenas de línguas diferentes, havendo, no Parlamento, quase duas dezenas de idiomas oficiais –, de modo que seu trabalho é interpretar os males que afligem os pacientes, quase sempre narrados de maneira poética, em idiomas hoje quase extintos pela predominância do inglês. Como analisa Ana Maria Machado, “esse argumento pode ser visto como uma metáfora dos autores que, de certa forma, traduzem o mal-estar de uma cultura para outra”. Apesar da temática política iminente, as narrativas não são engajadas, lidam especialmente com as inquietações humanas.
Segundo Bia Abramo, em artigo escrito à Folha de São Paulo, a “potência, a fluidez e a correção de seu texto sugerem adjetivos como maturidade e consistência, ambos muito pesados para a matéria fina e delicada da obra. Mais do que maturidade, a escritora maneja suas narrativas com algo que se poderia chamar de sabedoria. […] A agudeza dos olhares que guiam o leitor por suas narrativas, além de uma saudável e divertida tolerância com as esquisitices do comportamento humano -presente nos diálogos e descrições-, parecem funcionar como um antídoto poderoso para que o livro de Lahiri escape ao ramerrão da literatura de minoria, que, via de regra, serve mais como espelho invertido da literatura masculina-branca-ocidental do que de fato é capaz de criar dissonâncias”.
Liane Schneider, em artigo, analisa que o livro Intérprete de Males e, sobretudo, o conto homônimo, representam um “espaço literário propício para a discussão do entrelaçamento entre conceitos de território, pertencimento, representação identitária, literatura e tradução”. Segundo Schneider, já no título “fica claro que o que será tratado ali é um aspecto problemático da vida social, um dos males da contemporaneidade”. Assim, Jumpha Lahiri problematiza “o lugar ocupado por sujeitos contemporâneos, sujeitos estes que apresentam ou buscam por novas posicionalidades identitárias, consequentemente expondo formas diversas de contato entre indivíduos que tendem menos a submeter-se ao maniqueísmo dos lugares fixos de décadas atrás. […] Lahiri parece indicar que os gêneros literários, assim como as subjetividades ficcionalmente representadas, são cada vez de mais difícil definição e conceituação. Não há como negar certo “transbordamento” já há muito em curso nas culturas, nas vidas individuais e coletivas, bem como nos textos literários que dão vida ficcional às estórias por vezes vividas”.
Outra publicação de Lahiri no Brasil é o livro de contos Terra descansada, no qual ela compõe retratos de imigrantes indianos e de suas famílias nos Estados Unidos, criando, assim, um amplo panorama de suas vidas e dos conflitos que são gerados pelo embate cotidiano entre a tentativa de manter as tradições e a inclinação às tentações do mundo novo: contos que vão além do retrato de um povo desterrado e abarcam, com delicadeza e lucidez, questões das relações humanas.
Autor: Jhumpa Lahiri
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 17,00 (224 págs.)