Arquitetura

A arquitetura do viver poético

25 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Quantos são os que sabem distinguir o moderno “autêntico” das remastigações?” (Lina Bo, 1951).

Lina por escrito reúne 33 artigos que a arquiteta Lina Bo Bardi publicou em revistas italianas, como Lo StileGraziaDomus e A – Cultura della Vita, e em periódicos brasileiros, como Habitat Diário de Notícias de Salvador. São textos que discutem novos conceitos aplicados a temas como habitação, mobiliário, museologia, restauro, educação, arte popular e políticas culturais. Os textos são ilustrados por desenhos originais, fotografias e obras gráficas de Lina Bo. Organizados pela antropóloga Silvana Rubino e pela arquiteta Marina Grinover, são escritos que clamam por uma liberdade estética e política que permanece surpreendente no Brasil.

Como bem resumiu Gonçalo Junior, em artigo publicado na Revista FAPESP, “considerada esparsa ou inacessível, a produção intelectual chama atenção pelo modo claro e inteligente com que a arquiteta procurou, como dizem as organizadoras, sensibilizar o público para a poética do simples, não como uma forma de constatação da miséria, mas representativa da riqueza de diversidades e de cultura do país. Assim, ela explorava questões do espaço de convivência entre homens livres, da memória edificada, da cultura popular, ao mesmo tempo que contemplava os temas que permearam sua ação profissional: o design industrial, a construção de habitação, sua aproximação com a arte popular, a museografia, a cidade como um todo, a preservação da memória urbana e do patrimônio histórico”.

Lina Bo Bardi (1914-1992) desenvolveu no Brasil uma atuação intelectual e cultural abrangente, para além da arquitetura e do urbanismo. Sua condição de estrangeira permitiu-lhe compreender a convergência entre vanguarda estética e tradição popular na cultura brasileira através de um olhar antropológico. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, em 1946, disse: “Deslumbre. Para quem chegava pelo mar, o Ministério da Educação e Saúde avançava como um grande navio branco e azul contra o céu. Primeira mensagem de paz após o dilúvio da Segunda Guerra Mundial. Me senti num país inimaginável, onde tudo era possível”. Conforme analisou Guilherme Wisnik, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, há um “impasse claramente percebido por ela entre os anos 1950 e 1960: sendo mais africano do que europeu, o Brasil é um país onde a seiva da cultura popular não se esterilizou, no contexto do pós-guerra. No entanto, o problema da verdadeira industrialização tinha fatalmente que ser enfrentado, e uma importante escolha histórica estava em via de se realizar: ou essa cultura industrial vindoura incorporaria criativamente o substrato popular, produzindo algo de singular e genuíno, ou realizaria uma abertura indiscriminada e rebaixada à vulgarização dos objetos de consumo, à pasteurização kitsch”.

Segundo Rosane Pavam, em artigo à revista Carta Capital: “Por ter falado livre e duramente à sociedade brasileira, Lina Bo Bardi ainda enfrenta o isolamento. Na bela apresentação ao texto, Silvana Rubino, professora da Unicamp, mostra de que maneira a pensadora convivera com essa solidão. Ela rompera barreiras desde a Itália, já que de uma mulher do período nem mesmo seria esperado desenvolver carreira como arquiteta. Incentivada pelo marido, Pietro Maria Bardi, o fundador do Museu de Arte de São Paulo e responsável pela edição do periódico Quadrante que apontava rumos para a moderna arquitetura italiana, ela avançou sua atuação. Mais do que interferir no cenário brasileiro como arquiteta, imaginou contribuir para o nascimento de um País novo, livre das amarras de tradições paralisantes, no qual seu pensamento libertador pudesse se expandir”. No mesmo artigo, Pavam também aponta: “A pesquisadora Silvana Rubino sustenta que Lina Bo Bardi foi a primeira a difundir e aplicar o pensamento do italiano Antonio Gramsci no Brasil. Silvana encontrou frases inteiras, nos textos de Lina, respeitosas à obra Concepção Dialética da História, do pensador italiano. Gramsci dizia que não era preciso ser filósofo para pensar, já que todo homem pensa. Para Lina, a seguir esse raciocínio, não seria preciso um arquiteto para empreender arquitetura. “Arquitetura, para mim, é ver um velhinho ou uma criança com um prato cheio de comida atravessando elegantemente o espaço de nosso restaurante à procura de um lugar para se sentar, numa mesa coletiva”, ela dizia aos estudantes que visitavam o Sesc Pompeia nos anos 80 e a questionavam sobre o papel da arte”.

A obra de Lina Bo pode ser visualizada no site do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi.

 

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Trechos:

“A arquitetura contemporânea brasileira não provém da arquitetura dos jesuítas, mas do pau a pique do homem solitário, que trabalhosamente cortara os galhos na floresta, provém da casa do seringueiro, com seu soalho de troncos e o telhado de capim” (1951).

 

“A cultura está relegada aos livros que pouca gente lê; da cultura destacaram-se as regras de vida a ela intimamente ligadas. Ao intelectual possuidor de uma eloquência estéril e cavilosa, que tudo critica e tudo justifica, se contrapõe o leitor de “Seleções”, que procura uma norma, uma clarificação em resumos superficiais, ou o abandono ao acaso da vida. Um criticismo cosmopolita superficial, com finalidade em si próprio, tomou o lugar da cultura útil ao homem, substituindo-a por uma pseudocultura, que faz brilhar através de uma luz refletida somente o literato erudito. A solução dos problemas reais dos diversos países foi substituída por uma panaceia universal distribuída com incredulidade e indiferença. A linguagem especializada filosófica ou crítica disfarça o vazio ou a ausência de pensamento e, apesar de que a falta de uma cultura útil seja aceita, esse problema continua sendo um problema. E a ciência como antecipação, sobre as capacidades de controle humano dos problemas científicos, põe a interrogação do fim da humanidade” (1958).

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LINA POR ESCRITO

Autor: Lina Bo Bardi (Silvana Rubino e Marina Grinover, orgs.)
Editora: Cosacnaify
Preço: R$ 48,30 (208 págs.)

 

 

 

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