Artes Plásticas

A arte fotográfica e a fotografia artística

25 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Gabriel Orozco, “Extension del reflejo”, 1992

A fotografia como arte contemporânea revê a história da fotografia artística e a analisa em relação ao cenário das artes nas últimas décadas. A autora, Charlotte Cotton, é diretora de criação do Museu Nacional da Mídia do Reino Unido e já foi curadora de diversas exposições de fotografia contemporânea. O livro recompõe historicamente a gradual centralização da fotografia como objeto, meio e linguagem no cenário artístico contemporâneo. Cotton aborda o trabalho de artistas que utilizam em seus trabalhos as propriedades físicas e materiais da fotografia, tomando-as como veículo ou mesmo apenas como um componente dentro de uma atividade pan-midiática. A autora analisa a obra de artistas consagrados, tais como Isa Genzken e Sherrie Levine, e de uma geração mais jovem, representada por nomes como Florian Maier-Aichen, Anne Collier e Walead Beshty, para citar apenas alguns poucos exemplos dentre a versatilidade, bem explorada ao longo do livro, da fotografia artística nos século XX e XXI.

Charlotte Cotton reúne em seu texto descrições narrativas de imagens e interpretações das suas composições formais e da subjetividade do pensamento do artista representada pelos corpos que fotografa. O primeiro capítulo do livro encontra na obra de Marcel Duchamp e na sua “Fonte”, de 1917, o âmago da reflexão que encontra na fotografia, quer uma resposta quer uma provocação, para reflexões maiores dentro da arte.

Um dos pontos que merece destaque ao longo do livro é a análise da presença do corpo humano na composição das cenas, em ambientes interiores ou exteriores que evidenciam a ocupação humana. O corpo aparece como suporte para inscrever significados culturais e políticos, e mesmo, em alguns grupos artísticos, é parte da própria construção poética do artista.

De acordo com Karina Rampazzo, em resenha publicada na revista Discursos Fotográficos, a fotografia é cada vez mais um veículo de ideias. A crítica resume o método compositivo da análise do livro: “Mesmo dividindo o conteúdo em oito capítulos, a autora trabalha relações entre pontos argumentativos. Cada capítulo se delimita pela escolha de fotógrafos de uma mesma base produtiva ou metodológica”. A seguir, Rampazzo analisa capítulo a capítulo; sobre um deles, por exemplo, o interessante “Inexpressivas”, a crítica pontua que “se dedica à reflexão das chamadas fotografias Inexpressivas, ou seja, fotografias artísticas com características em comum, como o uso de ausência dramática ou de hipérbole visual, termos utilizados pela autora. Estas imagens são paisagens vazias, cidades desertas ou lugares sem importância alguma com pessoas anônimas. As imagens de Andreas Gursky estão neste capítulo e completam o discurso da inexpressividade. Com superficialidade técnica, ele é descrito como um observador de sua própria perspectiva – construída por imagens de paisagens distantes, sítios industriais, bolsa de valores, estádios esportivos e hotéis. O público, quando da visita às grandes impressões digitais nas galerias, pode ficar ainda mais distante dos temas selecionados e, ironicamente, próximo de uma ação imagética”. Dentre essas fotografias, algumas imagens são sugestões de declarações factuais, outras, representação melancólica do espetáculo cotidiano humano. Alguns dos artistas analisados no capíulo são  o fotógrafo Walter Niedermayr, o artista japonês Takashi Homma, o artista alemão Gerhard Stromberg, o fotógrafo retratista Thomas Ruff. Sobre outro capítulo interessante, intitulado “Alguma coisa e nada”, Rampazzo diz que a ênfase “é apresentar imagens que refletem as coisas retratadas como elementos do cotidiano revestidos de um conceito que denota a forma como os objetos são representados, ficando a significação por conta do leitor. “Em termos simples, essa abordagem fotográfica tem-se orientado por tentativas correlatas de criar arte a partir da matéria da vida cotidiana, rompendo os limites entre o ateliê, a galeria e o mundo” (p. 115). Neste tipo de imagem as indagações feitas pelos expectadores, que normalmente recaem sobre o fotógrafo, são deslocadas para os elementos prontos para usar, numa clara alusão ao modo Marcel Duchamp de fazer arte. A provocação destas imagens se fundamenta, sobretudo, em uma desestabilização do recorrente pensamento que entende os objetos representados como elementos isolados do seu contexto, distantes dos seus ambientes. A autora destaca alguns nomes como representantes maiores neste segmento: o artista mexicano Gabriel Orozco; o fotógrafo e cineasta alemão Wim Wenders; o artista de origem cubana, naturalizado americano, Felix Gonzalez-Torres; e o norte-americano James Welling. Estes e outros que constam nesta seção do livro despertam, naqueles que se debruçam sobre as suas imagens, um sentimento de busca imaginária que contribui para o descondicionamento do olhar no que se refere ao cotidiano”.

O livro, ao longo dos comentários pontuais sobre as obras e os agrupamentos lógicos e metodológicos propostos por Charlotte Cotton, aborda portanto diversas nuances da relação entre fotografia e arte. A autora analisa as fotografias conhecidas como quadros-vivos e que são verdadeiras narrativas pictóricas; as fotografias que narram vidas íntimas, que valem-se de supostos erros fotográficos para uma poética subjetiva e cotidiana, criando uma tensão entre a realidade e o espetáculo; as fotografias engajadas politicamente que, segundo a autora, adotam uma postura de antirreportagens; as fotografias que resguardam influências do pensamento pós-moderno, que questionam o próprio conceito de representação.

 

 

A FOTOGRAFIA COMO ARTE CONTEMPORÂNEA

Autor: Charlotte Cotton
Editora: WMF
Preço: R$ 48,37 (256 págs.)

 

 

 

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