Crítica Literária

A arte como procedimento

3 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Em Teoria da literatura – Textos dos formalistas russos, Tzvetan Todorov revelou aos leitores franceses a existência da escola de análise literária que prosperara em São Petersburgo e Moscou entre 1915 e 1930. Esta coletânea é uma das poucas publicadas no Ocidente que apresentam textos escritos pelos chamados formalistas russos, cuja escola formalista revolucionou a crítica literária, originou a lingüística estrutural e influencia até hoje o pensamento científico. Sua metodologia, original e teoricamente bem estrturada, de análise literária, é considerada pioneira na fundamentação da teoria literária contemporânea.

Segundo Boris Scnaiderman, “numa época de grandes discussões, na época em que o suprematismo de Maliévitch, o construtivismo, a poesia de Kliébnikov e Maiakóvski subverteram todas as noções de consagrado, na época das transformações do palco cênico por Meyehold e da sucessão de imagens até então conhecida no cinema, realizada por Eisenstein, o assim chamado formalismo russo procurou na literatura viva e não apenas nos monumentos do passado aquilo que podia caracterizar a linguagem da obra literária”. 

As ideias dos formalistas, no entanto, foram profundamente criticadas, tanto pela crítica tradicionalista – que os acusavam de ligarem-se excessivamente à forma em detrimento do que a arte teria de mais elevado, a substância da literatura –, quanto de teóricos marxistas – que esperavam da nova poética um engajamento político-social.

Os formalistas russos foram: Roman Jakobson, Victor Chklóvski, Bóris Eikhembaum, Iuri Tynianov, Óssip Brik, Viktor Vinogradov, Bóris Tomachévski, Lev Iakubínski, Viktor Jirmúnski, Grigori Vinokur, Evgueni Polivanov, Vladimir Propp, Piotr Bogatyriov e Serguei Bernstein, cuja atividade esteve de início ligada à OPOIAZ, (Óbchchestvo po Izutchéniu Poetítcheskovo Iaziká – Associação para o Estudo da Linguagem Poética), fundada em São Petersburgo em 1916.

A crítica literária proposta pelo formalismo russo reage à crítica subjetivista e também à crítica erudito-acadêmica. Segundo Ruy Matos, em relação “às teorizações sobre literatura, os princípios básicos que irão nortear as futuras pesquisas formalistas já estão explícitos em dois dos primeiros estudos provenientes da OPOIAZ: “A arte como procedimento” de Viktor Chklóvski (1917), uma espécie de manifesto do formalismo, que contrapunha-se ao conceito de imagem poética do lingüista e estudioso de literatura Alexandr Potebniá, afinado com os princípios da poesia simbolista, e ‘Noviéchaia rúskaia poésia’ (“A nova poesia russa”) de Roman Jakobson (1919), uma defesa da poesia cubo-futurista em especial a de Velimir Kliébnikov”. Para o pesquisador, são desenvolvidos neste dois textos dois conceitos chaves para as pesquisas formalistas subsequentes: “o de linguagem poética como produto de processos ou procedimentos (priom) de natureza lingüística, e o de poesia como resultante de desvios da linguagem normal, que produziriam um efeito de estranhamento (ostranenie)”.

Boris Eikhenbaum descreveu, de forma sucinta: “O que nos caracteriza não é o formalismo enquanto teoria estética, nem uma metodologia representando um sistema científico definido, mas o desejo de criar uma ciência literária autônoma a partir das qualidades intrínsecas do material literário”. Em “Teoria do método formal” (texto de 1925), ele explica: “Para os formalistas o essencial não é o problema do método nos estudos literários, mas o da literatura enquanto objeto de estudo […] não falamos, nem discutimos sobre nenhuma metodologia. Falamos e podemos falar unicamente de alguns princípios teóricos que nos foram sugeridos pelo estudo de uma matéria concreta e de suas particularidades específicas e não por este ou aquele sistema completo, metodológico ou estético”.

Alguns artigos desta coletânea já foram publicados no Brasil no ótimo volume, de título quase homônimo, Teoria da literatura – Formalistas russos, que, publicado pela editora Globo na década de 70, há anos está infelizmente esgotado. No texto de prefácio àquele volume, Boris Schnaidermann conta, sobre a divulgação dos textos dos formalistas russos na Europa: “Um papel decisivo, no sentido de trazer as ideias e trabalhos do movimento à circulação internacional, foi dado por Victor Erlich com seu livro Formalismo Russo, cuja primeira edição é de 1955. Desde então, publicaram-se sobre o assunto inúmeros estudos e foram aparecendo publicações de textos formalistas, tanto no original como em traduções. Visto que Paris continuava a ser um dos grandes centros divulgadores de ideias e movimentos, tiveram grande importância para o conhecimento do formalismo russo, os trabalhos ali publicados, particulamente a atividade desenvolvida por Tzvetan Todorov, no sentido da divulgação das obras do movimento e de sua análise crítica”.

 

 

TEORIA DA LITERATURA – OS FORMALISTAS RUSSOS

Autor: Tzetan Todorov
Editora: Unesp
Preço: R$ 36,40 (367 págs.)

 

 

Send to Kindle

Comentários