Guia de Leitura

Boris Schnaiderman e suas belas traduções

8 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Escritor, professor, tradutor: Boris Schnaiderman, intelectual generoso, foi certamente o maior responsável pelo acesso e divulgação da literatura russa no Brasil, fundador de uma nova era na tradução brasileira – uma tradição de traduções cuidadosas diretas do russo para o português.

Boris juntou à prática acadêmica o exercício de jornalismo literário, o culto aos clássicos e o interesse pelos novos escritores. Como tradutor, realizou um trabalho que esteve associada à docência e à produção incessante de artigos e livros, mas que combinou, a este, outros trabalhos, como os desenvolvidos em equipe (com os poetas Augusto e Haroldo de Campos, posteriormente com Nelson Ascher) e trabalhos independentes.

Suas traduções sempre foram caracterizadas pela autonomia e pelo extremo cuidado no tratamento com o texto. Autores tão diferentes como Górki e Tchekhov merecem, a cada reedição das traduções, um reexame detalhado e importantes melhoramentos.

Em entrevista, Boris certa feita disse não gostar da expressão “texto intraduzível”: trata-se apenas de um dos grandes desafios que uma tradução apresenta.

 

A. P. Tchekhov, “A dama do cachorrinho – E outros contos”

A primeira tradução assinada por Boris Schnaiderman [fizera algumas amadoras antes, sob o nome de um pseudônimo] foi A dama do cachorrinho, em 1959, quando ele tinha 42 anos. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 06 de maio de 2001, Schnaiderman conta: “Minhas traduções anteriores eu havia publicado com pseudônimo. Não as reconheço. Eu não tinha experiência. Mesmo com a tradução de ‘A Dama do Cachorrinho’ não fiquei satisfeito e a refiz várias vezes. Aliás, faço isso com todas as minhas traduções”.

Os contos breves, precisos e tocantes de Anton Tchekhov (1860-1904) revolucionaram a maneira de escrever narrativas curtas, tornaram-se mundialmente conhecidos e influenciaram os principais escritores que posteriormente dedicaram-se ao gênero. Grande parte da originalidade de Tchekhov reside no papel fundamental que desempenham, em suas histórias, a sugestão e o silêncio, a ponto de, muitas vezes, o mais importante ser justamente o que não é dito.

Esta coletânea de trinta e seis de seus contos foi organizada por Boris Schnaiderman, que assina também o posfácio e as notas à edição. De “Nos banhos” (1883) a “A dama do cachorrinho” (1899), que dá título ao livro e encerra o volume, é possível acompanhar algumas facetas da arte deste grande escritor, cuja preocupação principal sempre foi o homem, e que, via na literatura, um fundamental instrumento para sua emancipação.

No comentário, publicado pela Gazeta Russa, da também tradutora Denise Sales quando do término de um curso de extensão que ministrou na UFGRS, em 2013, de análise de contos de Tchekhov, apresentando aspectos de sua poética através de diferentes traduções, há um ponto interessante sobre a tradução de Boris Schnaiderman, no que diz respeito ao seu cuidado e à longa lapidação. Conta Denise Sales: “As leituras começaram com ‘Razmazniá’ (1883), conto breve, em que a governanta Iúlia Vassílievna é enganada nas contas pelo patrão. Intimidada e servil, ela aceita o valor calculado pelo dono da casa. No final, ele revela que tudo não passava de uma lição e explode: ‘Mas, como é que se pode ser moleirona assim? Por que não protesta? Por que fica quieta? Pensa que, neste mundo, pode-se não ser audacioso? Pensa que pode ser tão pamonha?’

Logo de início o próprio título rendeu um bom debate. No dicionário russo-português Voinova, ‘razmazniá’ tem as seguintes traduções: ‘papa’, ‘mingau’; ‘trouxa’, ‘pamonha’. Além de significar uma comida de consistência pastosa, o termo russo indica também um indivíduo mole, abobado, sem ação. Nas traduções que usamos em sala de aula (veja as Sugestões de Leitura), Boris Schnaiderman optou por ‘Pamonha’ e Maria Aparecida Botelho, por ‘A palerma’. Em seu recente Tradução, ato desmedido, Schnaiderman explica porque, mais tarde, resolveu mudar o título. ‘Mas na Rússia existe pamonha? Foi só então que percebi a bobagem que tinha cometido. E em vista disso, tratei de mudar o título para ‘Molenga’ nas próximas edições, pois o livro tem grande aceitação e vem sendo reeditado continuamente’”.

 

 

Boris Schnaiderman, “Dostoiévski – Prosa poesia”

No livro Dostoiévski – Prosa Poesia (Perspectiva, 1982), Schnaiderman traduziu e analisou o conto “O Senhor Prokhartchin“, procurando mostrar como a prosa do romancista russo está próxima da poesia.

O conto foi escrito por Dostoiévski quando ele tinha apenas 25 anos. A tradução tem como prioridade manter a maior fidelidade ao texto e ao estilo do escritor. O volume traz também um belo ensaio sobre este conto, que já foi subestimado como obra imatura, mas que Boris Schnaiderman revaloriza, analisando seu caráter premonitório e de ruptura.

Diz o tradutor, no ensaio: “Mas nada disso anula minha tese essencial, a da importância deste conto, que permite situar Dostoiévski como precursor de toda a ficção moderna, criador que foi de obras em que o rompimento do determinismo causal do século XIX resulta numa prosa estranhamente próxima da poesia, rica de contrastes e de saltos, onde o sublime se mistura com o ignóbil e as ideias mais elevadas, com o cotidiano mais trivial”.

Na entrevista já citada, concedida à Folha de S. Paulo em 2001, Boris Schnaiderman disse, sobre Dostoiévski: “Dostoiévski é o escritor-filósofo por excelência. A grande força de sua obra consiste em ter dado intensidade dramática e ficcional a idéias. Em seus livros, elas deixam de ser abstratas e passam a ser algo vivo, carnal, de presença imediata. Dostoiévski fazia filosofia por meio de romances, mas uma filosofia viva, atuante, intensa. Trouxe, assim, uma grande contribuição à filosofia, o que é um caso singular na literatura. Exerceu influência sobretudo sobre Nietzsche e os existencialistas. Otto Maria Carpeaux dizia que Dostoiévski era um escritor essencial do século 20, embora tenha escrito no século 19. Os temas de Dostoiévski estão por aí. ‘O Crocodilo’, que foi escrito na década de 1860, lida com a realidade de um país em que o capitalismo havia penetrado numa sociedade agrária”.

O professor e tradutor ainda comenta: “O interesse por sua obra não pára de crescer, pela riqueza de abordagens possíveis: psicológica, filosófica, política, moral. Na Rússia, cada um quer puxar a brasa para sua sardinha, lendo Dostoiévski do jeito que lhe convém. Comunistas destacam seu feroz anticapitalismo. Reacionários encontram em seus livros elementos de sobra para uma leitura conservadora, nacionalista e religiosa. Por conta desse partidarismo, não há uma compreensão adequada da riqueza de sua literatura. Isso acontece porque Dostoiévski era profundamente contraditório. Era um conservador, mas furiosamente anticapitalista”.

De Dostoiévski, Boris Schnaiderman ainda traduziu diretamente do russo para o português, os romances Memórias do subsolo, O crocodilo e Notas de Inverno sobre Impressões de Verão e Um jogador, o romance inacabado Niétotchka Niezvânova, o conto O eterno marido, todos publicados pela Editora 34.

 

 

Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos (orgs.), “Maiakóvski. Poemas”

Vladimir Maiakovski é um dos maiores poetas russos do período moderno, aquele que expressou de maneira mais completa e contundente, no pré e pós-Revolução de Outubro, os novos e contraditórios tempos que irrompiam pelas portas da História e as novas configurações que estes demandavam e assumiam.

Esta antologia, Maiakóvski. Poemas – já em sua sexta edição – tornou-se consagrada como a mais representativa transcriação de sua poesia em língua portuguesa, além de síntese da evolução da obra maiakovskiana, no que diz respeito às formas tomadas por sua linguagem, documentando todas as fases deste percurso, desde as primícias do poeta até os últimos versos que escreveu encontrados após o seu suicídio.

Os poemas foram traduzidos por Boris Schnaiderman e/ou Augusto e Haroldo de Campos. Para além das brilhantes traduções, o livro conta com vários ensaios dos tradutores sobre o poeta russo, além de apresentar o texto “Eu mesmo”, uma espécie de autobiografia de Maiakóvski em notas curtas.

 

MANHÃ

A chuva lúgubre olha de través.
Através
da gra-
de magra
os fios elétricos da ideia férrea –
colchão de penas
Apenas
as penas
das estrelas ascendentes
apoiam nele facilmente os pés.
Mas o des-
troçar dos farois,
reis
na coroa do gás,
se faz
mais doloroso aos
buquêshostisdasprostitutasdotrotoar.
No ar
o troar
do riso-espinho dos motejos –
das venenosas
rosas
amarelas se propaga
em zigue-zag.
Ag-
rada olhar de
trás do alarde
e do
medo:
ao escravo
das cruzes
quieto-sofrido-indiferentes,
e ao esquife
das casas
suspeitas
o oriente
deita no mesmo vaso em cinza e brasas.

1912
[Tradução de Augusto de Campos e Boris Schnaiderman]

 

 

Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos (orgs.), “Poesia russa moderna”

Poesia Russa Moderna, de Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos – 6ª edição, revista e ampliada – é uma antologia fundamental, e já clássica, que traz ao leitor brasileiro, sob a forma de traduções criativas magistralmente elaboradas, a palavra e o som da poesia russa, na especificidade de seus jogos verbais, métricos e musicais, cobrindo significativamente um arco temporal que vai do Simbolismo até as tendências modernas e contemporâneas.

Elogiada por eslavistas do porte de Roman Jakobson e Angelo Maria Rippelino, consagrada pela crítica literária nacional, a presente coletânea, é provida ainda de análises críticas e pertinentes comentários. A tradução e organização reuniu os principais nomes da poesia russa do século XX, enfatizando sobretudo o período pré, trans e perirrevolucionário, porém chegando até autores mais recentes.

A antologia começa com Aleksander Blok, poeta ligado ao simbolismo russo, acusado de ser contrarrevolucionário, passa por poemas do pintor Vassíli Kandinski, pelo vanguardista georgiano Iliazad, Akhmatova, o Nobel de literatura Boris Pasternak, Ossip Mandelstam, Marina Tzvietáieva e Maiakóvski. Ganham espaço poetas mais recentes como Andrei Vozniessiênski, Ieugueni Iuvchenko e Guenádi Aigui. Cada autor é apresentado no livro com uma breve biografia e explicação de sua importância.

 

“VIVEMOS SEM SENTIR”, Óssip Mandelstam

Vivemos sem sentir a Rússia embaixo,
não se ouvem nossas vozes a dez passos.

Mas onde houver meia conversa – sempre
se há de lembrar o montanhês do Kremlin.

Seus grossos dedos são vermes obesos;
e as palavras – precisas como pesos.

Sorri – largos bigodes de barata;
e as longas botas brilham engraxadas.

Rodeiam-no cascudos mandachuvas;
seu jogo: os meio-homens que subjuga.

Um assobia, um rosna, um outro mia,
só ele é quem açoita, quem atiça

E prega-lhes decretos-ferraduras
na testa ou no olho, na virilha ou nuca.

Degusta execuções como quem prova
uma framboesa, o osseta de amplo tórax.

1934
[Tradução de Boris Schnaiderman]

 

 

Lev Tolstói, “A morte de Ivan Ilitch”

Com este brilhante texto, tão agudo quanto profundo, Lev Tolstói retomou sua produção literária, após ter renegado toda sua obra pregressa para se dedicar à vida espiritual. Ivan Ilitch é uma de suas grandes obras.

No posfácio à edição brasileira publicada pela Editora 34, Boris Schnaiderman diz:

“Eis, sem dúvida, uma temeridade. Mas, o que seria da tradução se não fossem a ousadia, o atrevimento até, dos que se aventuram nesse caminho? Que isso não sirva de estímulo aos arrivistas, mas o escrúpulo, o cuidado com o texto, não dispensam uma boa dose de coragem.

Lembro-me agora de uma conversa com Paulo Rónai, que ficou recordando com muita saudade a sua primeira leitura dessa novela, ‘a mais perfeita (dizia ele) que já se escreveu’.

Ela me causa até hoje o mesmo encantamento a cada releitura, e foi o caso desta que fiz ao preparar a presente retradução” .

Boris fala, sobre a novela, contextualizando-a dentro do corpo da obra de Tolstói e, mais ainda, dentro da relação ambígua que o autor mantinha entre a escrita de contos populares e a doutrinação ideológica: “As novelas resultavam, na verdade, de um conflito angustiante entre o artista e o doutrinador, e os momentos mais felizes surgiam certamente quando o primeiro triunfava. A morte de Ivan Ilitch (1886) é um exemplo flagrante disso. O propósito alucinante do autor se evidencia claramente no final, com a luz que surge a Ivan Ilitch moribundo e, principalmente, com a aparição do criado Guerássin, a personalização das virtudes populares, mas nada disso é piegas, e dificilmente se encontrará em literatura outro texto em que o passamento de alguém seja expresso com tamanha dignidade”.

O perfeito equilíbrio estilístico da novela, calcado do domínio da linguagem e singeleza de expressão, estrutura a mobilização sensível que causa em seus leitores. “Toda a miséria da sociedade burguesa aparece então com uma veemência rara, ficando-se com a impressão de que ele está tratando de nossa vida hoje e não dos russos do final do século XIX”, diz Boris.

E, assim como Tosltói, ele acrescenta, “dizia após a leitura de um dos contos de Tchekhov que este o deixara mais inteligente, podemos afirmar: esta novela certamente nos torna mais inteligentes e humanos”.

 

 

Maksim Górki, “Meu companheiro de estrada – E outros contos”

Considerado um dos grandes escritores russos, autor de contos, romances, artigos de jornal, peças de teatro e memórias, Maksim Górki (1868-1936) foi uma figura singular no meio intelectual de sua época. Oriundo de uma família sem recursos, desde cedo teve que procurar seu próprio sustento, perambulando por diversas paragens da vasta Rússia à procura de trabalho, sempre à beira da marginalidade. Essa experiência lhe deu uma perspectiva diferente, original, ao criar suas histórias. Pela primeira vez, o povo russo era retratado por um dos seus, e de forma sensível, verídica, com todas as suas contradições.

A coletânea de contos Meu companheiro de estrada, organizada e traduzida por Boris Schnaiderman, busca oferecer ao leitor uma amostra da riqueza e complexidade da obra de Górki – autor que, como nenhum outro, simbolizou as radicais transformações ocorridas em seu país.

Ao publicar suas primeiras narrativas nos anos 1890, o talento de Górki foi imediatamente reconhecido, conquistando a admiração de nomes como Tolstói e Tchekhov. No início do século XX, já escritor famoso, empenhou-se de corpo e alma na causa da revolução, sendo preso e exilado pelo regime tsarista. Após 1917, usou diversas vezes seu prestígio para defender a liberdade de expressão no regime soviético.

São 16 contos que representam diferentes facetas da produção literária do escritor, porém, adverte Schnaiderman, o livro não pretende ser representativo de toda a obra gorkiana, “é apenas um fragmento do seu mundo”. No complexo mundo gorkiano, figuram marginalizados, prostitutas, mendigos, ladrões, por entre ambientes percorridos pelo autor. Os assuntos explorados por sua prosa levaram o crítico Otto Maria Carpeaux a comentar que “Górki cumpriu para as camadas do povo russo a mesma missão que Dickens cumprira para as classes médias da Inglaterra”.

O estilo direto e fluído de Górki aproxima suas narrativas à leveza de uma conversa. Em um dos contos, “Vovô Arkhip e Lionka”, avô e neto erram por várias aldeias em busca de alimento e de esmola, como diz o avô. Arkhip está doente e aflito com o futuro do neto após sua morte: “Percebia que ia morrer em breve e, embora o considerasse com absoluta indiferença, sem pensamentos, como algo obrigatório, inelutável, preferiria morrer longe dali, em sua terra e, além disso, comovia-o fortemente a lembrança do neto…Para onde iria Lionka?”.

Os temas de cunho social, preocupação constante para o autor, também está presente de maneira significativa em “Certa vez, no outono” e em “Vinte e seis e uma”. Este, refere-se a vinte e seis funcionários de uma fábrica de sequilhos que possuem uma jornada de trabalho exaustiva, realizada em um porão insalubre. A alegria desses funcionários é ocasionada com a visita diária de uma jovem, Tânia, que, porém, passa a interessar-se por outro homem e provoca ciúmes nos empregados. Górki descreve os trabalhadores como “vinte e seis máquinas vivas”, reflexo das péssimas condições em que viviam.

Sobre este conto, uma anedota, que Boris Schnaiderman conta, no já mencionado posfácio à edição brasileira da novela A morte de Ivan Ilitch: “Não foi por acaso, por exemplo, que, depois de ler o conto ‘Vinte e seis e uma’ (1899) do jovem Maksim Górki, ele observou a este que o forno da padaria em que se passava a ação estava em lugar errado”.

 

 

Ivan Búnin, “O amor de Mítia”

Lançada em março deste ano, O amor de Mítia, do russo Ivan Búnin (1870-1953), foi a última tradução publicada em vida por Boris Schnaiderman.

Búnin, em 1933, foi o primeiro escritor russo a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Sua obra, por uma lado, é grande herdeira da prosa realista russa do século XIX, sobretudo a de Tolstói. Porém, sua sua ficção conhece de perto as fraturas abertas pela modernidade.

Segundo Boris Schnaiderman, este é um dos textos mais vigorosos por ele já traduzidos.

A novela foi publicada pela primeira vez em 1925. Narra o drama da consciência de um rapaz, Mítia – diminutivo de Dmítri -, que descobre a força do desejo e do sentimento amoroso em toda a sua dolorosa intensidade. Sua história inicia-se em São Petersburgo e logo se desloca para os campos de Oriol, paisagem cara ao autor desde a infância.

A natureza russa, descrita com uma minúcia lírica estonteante, ocupa todos os cantos da leitura. Por meio de sucessivas metamorfoses e uma estreita simbiose, a magnífica natureza russa anuncia as terríveis ambiguidades que definirão o destino do protagonista. O sofrimento amoroso pesará profundamente em sua vida.

Rainer Maria Rilke afirmava predileção pela obra. Segundo o poeta, a vastidão do afeto que Mítia projeta sobre Kátia tem um caráter “profundamente espacial”. Búnin foi escritor também admirado por Thomas Mann, Vladímir Nabókov, André Gide. Segundo Ettore Lo Gatto, grande especialista em literatura russa, Búnin é considerado um dos maiores narradores da literatura russa contenporânea. Para o crítico, é rica sua evolução artística, que vai do lirismo melancólico dos primeiros versos e contos, até o estilo trágico e duro das últimas novelas; do período do exíliol, o crítico aponta, O amor de Mítia é a mais perfeita dentre as obras, pequeno romance, espécie de poesia em prosa

A textura de sua prosa e de sua poesia é por vezes comparada a um brocado, um trabalhado tecido de seda lavrado com relevos bordados de ouro ou prata. Búnin escreveu poesia, romances, memórias e contos. Sobre seus contos, o professor Bruno Gomide diz: “Em raros momentos da literatura russa, natureza, morte, acaso e amor foram compactados com tamanha perfeição em pequenas narrativas da transitoriedade”.

 

 

 

Em entrevista, Boris Schnaiderman, questionado, pelos Cadernos de Tradução, sobre a existência de etapas diferentes disserníveis em sua carreira, de um processo de evolução em sua compreensão e exercício da atividade, disse:

“Vejo nela essencialmente três etapas. Na primeira, quando tinha vinte e poucos anos, eu estava muito mal preparado e assinava minhas traduções com pseudônimo. Aliás, francamente, preferiria esquecê-las. Na segunda, voltei ao trabalho de tradutor, cônscio da responsabilidade que isso representava. A literatura era vista por mim como algo superior às outras ocupações, um ideal a atingir. Mas, devido a isso, com freqüência, minhas traduções pareciam mais rebuscadas que o original. Num artigo, cheguei a chamar esse tipo de trabalho de ‘tradução endomingada’. Só bem mais tarde, adotei o meu modo atual de traduzir, que busca maior fluência e naturalidade, além da fidelidade ao espírito do original: se o texto é rude e áspero, tenho de traduzi-lo assim, cuidando para que não se torne mais “literário”. Na presente fase de meu trabalho, conto com a colaboração de Jerusa Pires Ferreira, que revê quase tudo o que eu escrevo, e isso certamente me ajuda a melhorar o nível”.

Na mesma entrevista, Boris deu algumas dicas valiosas para os tradutores, sobretudo os iniciantes:

“Em primeiro lugar, traduzido o texto, nunca deixar de fazer o cotejo cuidadoso com o original. E além disso, lembrar sempre que a tradução literária é, geralmente, um bico bastante precário e, portanto, só deve ser exercida com muita paixão e empenho. Quem não tiver esta paixão, esta garra, procure uma ocupação mais rendosa. Outro lembrete que me parece importante: considerar sempre o seu trabalho como uma realização estética, que exige muita criatividade, e esta se desenvolve com o tirocínio. A busca da transmissão exata do espírito do original está ligada à ‘liberdade intencional, sem a qual não existe aproximação dos grandes objetos’, como se expressou Pasternak no prefácio à sua tradução do Hamlet.

 

Em tempo

Setenta anos de percurso de exploração das palavras, como se em um sertão, recortado por veredas russas e portuguesas, encontram, no livro Tradução, Ato Desmedido, de Boris Schnaiderman, uma espécie de traçado cartográfico, anotado ao longo desse percurso.

A imagem, é um elogio certeiro criado por J. Guinsburg, que, na apresentação do volume, conclui: “Na sua singeleza e despretensão, os ensaios e artigos aqui reunidos compõem, por certo, malgré soi e talvez com os protestos do autor, uma lição não só de devotamento, honestidade, capacidade e talento, como de trabalho metódico e criativo – que serve quase como um guia de como se faz uma tradução de qualidade – na árdua tarefa a que se propôs: lermos os russos como lemos os brasileiros”.

 

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