Literatura

O cronista das cidades e das memórias

22 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O vencedor do Prêmio Nobel de Literatura deste ano, o francês Patrick Modiano, é conhecido como o “arqueólogo da memória”. De acordo com a Academia Sueca, o prêmio foi dado a ele “pela arte da memória com a qual evocou os destinos humanos mais inatingíveis e revelou o mundo da ocupação nazista da França”. Sua prosa, ao longo de mais de trinta romances, concentra-se na cidade de Paris durante a Segunda Guerra Mundial, revivendo a vida francesa sob invasão alemã, a partir de personagens comuns.

Do mais longe do esquecimento atravessa a história de amor do protagonista narrador com uma mulher, Jacqueline, que, casada, porém reciprocamente apaixonada, com ele fugiu de Paris para Londres e, algum, tempo depois, desapareceu.

O livro é exemplar de uma das grandes características da prosa de Modiano: a vida que confere às grandes cidades, tornando-as, talvez mais que qualquer outro personagem, em suas verdadeiras protagonistas. São as próprias cidades que, em seus romances, articulam-se em movimento narrativo, enquanto as personagens são sombrias e enigmáticas.

Como sugere o título do romance, o narrador, um escritor de 50 anos, conta em retrospectiva a história que vivera trinta anos antes, mas que mantém-se em cada detalhe intacta em sua memória. Acabara de deixar a casa dos pais, largara os estudos e vendia livros antigos quando conheceu Jacqueline e Gerard Van Bever na rua. Fora o início de sua história de amor. A fuga do casal apaixonado e o posterior desaparecimento de Jacqueline misturam-se à vida que Modiano confere às duas grandes cidades, onde os indivíduos perdem-se no anonimato, onde bairros se transformam a tal ponto que muitas vezes não restam sequer pistas dos moradores.

Segundo artigo da France Presse traduzido e publicado pelo portal de notícias da Globo, G1: “Não se sabe realmente de onde vêm seus personagens, às vezes recorrentes de um livro para outro, nem o que realmente pensam. A biografia de suas criaturas continua incerta. Encontramos alguns em uma Paris banal pelo olhar profano, mas de repente aparado, pela pena do escritor, de uma beleza cinza e nostálgica. Suas páginas estão cheias de nomes de ruas parisienses ou lugares suburbanos, de praças, cafés e estações de metrô”. O artigo ainda analisa: “Sobre muitos escritores podemos dizer que sempre escrevem o mesmo livro: isto é particularmente verdadeiro sobre sua obra homogênea, comovente e distanciada. Romances, que são como “as estampas de uma tapeçaria que teriam sido tecidas em um cochilo”, em suas palavras. Reflexões longas sobre a realidade, escritas em uma linguagem convencional, precisa e sóbria. “A ocupação é como um terreno no qual eu cresci”, diz o escritor”.

De acordo com Luís Miguel Queirós e Cláudia Carvalho, em artigo publicado no caderno Ipsilon, do jornal português Público, o prêmio foi concedido a Modiano pela “música discreta” de sua literatura, alcunha conferida pela crítica francesa – “la petite musique de Modiano”. O crítico Yannick Pelletier, segundo o artigo, pontua “que o escritor pratica uma “arte da indefinição e da dualidade”. Os seus protagonistas são muitas vezes seres paradoxais, como o colaboracionista Lacombe Lucien do notável filme com o mesmo nome, cujo argumento Modiano escreveu para o cineasta Louis Malle. O anti-herói do filme é um rapaz que se torna colaborador dos nazis após uma tentativa frustrada de aderir à Resistência”.

No Brasil, outros de seus livros foram publicados pela editora Rocco, como Ronda da noite, Vila Triste, Dora Bruder – auto-ficção e biografia, reconstitui a história real de uma jovem judia parisiense que tinha 15 anos quando desapareceu, em 1941, durante a guerra –, Uma rua de Roma – vencedor do Prêmio Goncourt, é um dos romances mais populares do autor, história de um detetive particular amnésico que busca ecos labirínticos de seu passado, sobre o qual há um ensaio do crítico Alfredo Monte, que o lê à luz da “modernidade líquida” de Zygmunt Bauman – e Meninos Valentes, mas encontram-se, quando muito, disponíveis apenas em sebos. Rara incursão do autor na literatura infanto-juvenil, Filomena Firmeza é recente lançamento pela Cosac Naify.

 

 

 

DO MAIS LONGE DO ESQUECIMENTO

Autor: Patrick Modiano
Editora: Rocco
Preço: R$ 17,90 (118 págs.)

 

 

 

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