Literatura

Dez novelas dentre as dez jornadas

13 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Il Decamerone di Messer Boccaccio – Ilustração de Tito Lessi

Giovanni Boccaccio é considerado o pai da prosa italiana moderna e sua obra Decameron é tida como uma das fundadoras da literatura ocidental moderna e responsável por inaugurar o formato de contos na tradição literária ocidental. Escrito originalmente em meados do século XIV, o livro é composto por cem narrativas, nas vozes de dez personagens – sete damas e três cavalheiros –, que as contam em meio a uma conversa distraída, para passar o tempo e celebrar suas vidas, enquanto recolhidos numa vila para fugir de um surto da peste negra, que então assolava Florença.

A editora Cosacnaify selecionou dez das narrativas com prefácio e tradução de Maurício Santana Dias e ilustrações de Alex Cerveny. A editora já tinha publicado uma novela do Decameron, em adaptação infanto-juvenil: Vingança em Veneza, com tradução de Nilson Moulin e ilustrações de Carlos Nine, é uma sátira sobre a sociedade em Veneza no século XIV; narra a história de um charlatão que consegue convencer uma bela dama que o anjo Gabriel estaria enamorado por ela e, encenando ele mesmo o papel do anjo, dorme com a moça diversas vezes até ser desmascarado.

Decameron é considerado um marco literário também por ser responsável por uma ruptura com a moral medieval; a obra de Boccaccio dá início ao registro de valores terrenos como responsáveis pela conduta humana. Ao contrário de seu contemporâneo, Dante, cujos mestres são Virgílio e Beatriz, cujo herói é um estudioso e cujo estilo é elevado, Boccaccio, no Decameron, retrata situações cotidianas e trava um diálogo paródico com a tradição. Ele rebaixa gêneros sérios, parodia os relatos do Hexameron (o livro dos seis dias), escritos latinos feitos por estudiosos da Igreja, cujo mais famoso é a narrativa de Santo Ambrósio da criação do mundo em seis dias: Decameron (o livro dos dez dias), propõe a recriação do mundo destruído pela peste, através de uma narrativa em língua vulgar (escrito em dialeto toscano e não em latim) com extrema liberdade estilística.

Conforme a análise de Doris Nátia Cavallari, em seu artigo A palavra astuta: as estratégias discursivas e a modernidade do Decameron de G. Boccaccio, publicado na revista Bakhtiniana publicada pela PUC de São Paulo: “O texto apresenta a antítese Tânatos/Eros, porque parte da presença maciça da morte e desenvolve-se na alegria do amor erótico, necessário ao nascimento do mundo novo. Se Tânatos em Dante está ligado ao Inferno, à morte do espírito, no Decameron, está ligado à peste, à morte material. Por outro lado, no Paraíso dantesco reina o amor e a vida iluminada do espírito. Já o “paraíso” decameroniano está ligado ao amor material, ao prazer erótico e às conquistas de toda sorte, frutos de atitudes sagazes dos novos homens do mundo burguês. Desse modo, o livro, o intermediário de amor, poderá oferecer às mulheres que o lerem “prazer e útil conselho das coisas reconfortantes que as narrativas mostram”.

Segundo o crítico Andrea Lombardi, autor de Il diavolo in corpo: una lettura del Decameron di Giovanni Boccaccio, Decameron “cria seu próprio futuro, por representar uma mímese abrangente de sua época e, ao mesmo tempo, realizar uma ruptura irônica radical, ou elusiva: modelo da comédia renascentista e também um paradigma hermenêutico do uso da ironia. Talvez possamos considerar o Decameron uma intrigante resposta à pergunta atual sobre a natureza do contemporâneo.

 

 

 

DECAMERON

Autor: Giovanni Boccaccio
Editora: Cosacnaify
Preço: R$ 62,30 (128 págs.)

 

 

 

 

 

 

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