matraca

Lamentável uniforme tecido pela incompreensão

10 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Frantz Fanon foi um dos mais relevantes pensadores da descolonização. Psiquiatra intelectualmente engajado na luta pela independência da Argélia, seus trabalhos analisam as psicopatologias da colonização e abordam, além dos aspectos propriamente psiquiátricos, também o viés sociológico e filosófico decorrente da vivência das atrocidades da guerra pela libertação.

Em Pele negra máscaras brancas, publicado no Brasil pela editora da Universidade Federal da Bahia, (EDUFBA) e traduzido por Renato da Silveira, Fanon examina a negação do racismo contra o negro na França, analisando um axioma que causou polêmica nas décadas de 1960 e 1970: como uma ideologia que ignora a cor pode apoiar o racismo que nega.

O indiano Homi K. Bhabha, importante teórico dos estudos pós-colonias (autor de O local da cultura, publicado pela editora da UFMG), no ensaio “Interrogando a identidade”, diz: “Ler Fanon é vivenciar a noção de divisão que prefigura – e fende – a emergência de um pensamento verdadeiramente radical que nunca vem à luz sem projetar uma obscuridade incerta. Fanon é o provedor da verdade transgressiva e transicional. […] Sua voz é ouvida de forma mais clara na virada subversiva de um termo familiar, no silêncio de uma ruptura repentina: O negro não é. Nem tampouco o branco”.

A interessante análise de Homi K. Bhabha merece ser citada; prossegue: À medida que os textos de Fanon se desenrolam, o fato científico passa a ser confrontado pela experiência das ruas; observações sociológicas são intercaladas por artefatos literários e a poesia da libertação é criada rente à prosa pesada, mortal, do mundo colonizado. Qual é a força específica da visão de Fanon? Ela vem, creio, da tradição do oprimido, da linguagem de uma consciência revolucionária de que, como sugere Walter Benjamin, “o estado de emergência em que vivemos não é a exceção, mas a regra. Temos de nos ater a um conceito de história que corresponda a esta visão”. E o estado de emergência é também sempre um estado de emergência [de vir à tona]. A luta contra a opressão colonial não apenas muda a direção da história ocidental, mas também contesta sua ideia historicista de tempo como um todo progressivo e ordenado”.

O pensamento de Frantz Fanon ramifica-se em questões historicistas, políticas, críticas, na própria alienação da ideia (iluminista) do “Homem”, no confronto da realidade social com a criação de mitologias. Como diz Bhabha, a “análise da despersonalização colonial […] contesta também a transparência da realidade social como imagem pré-dada do conhecimento humano. Se a ordem do historicismo ocidental é perturbada pelo estado colonial de emergência, mais profundamente perturbada é a representação social e psíquica do sujeito humano”. Fanon articula alienação social e decorrências psicanalíticas e, assim, desdobra o questionamento da formação individual no desenvolvimento do discurso de soberania social. Segundo o estudioso, lendo Fanon pode-se dimensionar como as “virtudes sociais da racionalidade histórica, da coesão cultural, da autonomia da consciência individual, assumem uma identidade imediata, utópica, com os sujeitos aos quais conferem uma condição civil”.

 

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Esta obra é um estudo clínico. Acredito que aqueles que com ela se identificarem terão dado um passo à frente. Quero sinceramente levar meu irmão negro ou branco a sacudir energicamente o lamentável uniforme tecido durante séculos de incompreensão. A arquitetura do presente trabalho situa-se na temporalidade. Todo problema humano exige ser considerado a partir do tempo. Sendo ideal que o presente sempre sirva para construir o futuro. E esse futuro não é cósmico, é o do meu século, do meu país, da minha existência. De modo algum pretendo preparar o mundo que me sucederá. Pertenço irredutivelmente a minha época. […] Por ser antilhano de origem, nossas observações e conclusões só são válidas para as Antilhas – pelo menos nas partes que tratam do negro em sua terra. 

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O projeto Escrevivência disponibiliza a visualização do livro.

 

 

PELE NEGRA MÁSCARAS BRANCAS

Autor: Frantz Fanon
Editora: EDUFBA
Preço mínimo: R$ 55,00 (191 págs.)

[disponível apenas em sebos]

 

 

 

 

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