cinema

A enorme carga dos sonhos

13 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Um visionário cuja obsessão é construir uma casa de ópera no coração da floresta amazônica: a cena clássica é a transposição de um pequeno navio montanha acima. O cinema de Herzog é inconfundivelmente poético. Seu lirismo é metafórico, de maneira extravagante, porém precisa.

Fitzcarraldo é a história de um sonho, de sua impossibilidade e de sua realização. Drama que as próprias filmagens reverberaram, em si mesmas, na sua intimidade. A conquista do inútil é o diário que Werner Herzog manteve durante as filmagens, texto profundamente existencial, em que ele reflete sobre a transformação do filme em obra de arte e em que relata o permanente conflito com Klaus Kinski, que, briguento e violento, causou tumulto entre os índios peruanos contratados para o filme. Herzog conta que chegou a ameaçá-lo com um revólver, quando Kinski decidiu abandonar as filmagens. O ator, porém, não protagoniza o diário.

Antonio Gonçalves Filho, em artigo publicado no Estado de S.Paulo, conta:

“Garras cravadas na imagem de um grande barco a vapor atravessando uma montanha, puxado por uma roldana morro acima, dentro da selva. É com essa descrição que o cineasta alemão Werner Herzog, hoje com 70 anos, lembra o ponto de partida de seu mais alucinado projeto cinematográfico, Fitzcarraldo (1982). […] Herzog diz que, por motivos que desconhece, não lhe foi possível reler por 24 anos os diários. Trinta anos depois, esses textos, define o diretor, permanecem como “paisagens internas nascidas do delírio da selva”.

Em resenha ao suplemento cultural argentino Radar Libros, do jornal Página/12, Ariel Magnus (que traduziu a edição portenha) analisa que os temas principais do livro são a selva e os sonhos; ele diz: “Como Fitzcarraldo, com a ópera e o equipamento de roldanas para subir o barco pela montanha, o Herzog escritor está obcecado com a descrição do mundo vegetal que tanto o atrai como o repugna. […] o livro transcorre quase inteiro dentro da floresta, tratando de submetê-la a palavras. […] Na metade do livro, nos explica (ou ao fim o entende ele mesmo) o que une o tema central do livro com o tema central do filme: “Aquilo que já não é concebível nem pelo mais exótico cálculo de probabilidades aparece na ópera como o mais natural, em uma poderosa transformação de todo um mundo em música. Também os grandes sentimentos da ópera, que com frequência são depreciados por hiperbólicos, a mim pelo contrário parecem reduzidos ao mínimo, condensados ao arquétipo dos sentimentos, sem possibilidade de continuarem concentrados em sua essência. São axiomas de sentimentos. Isso é o que une a ópera com a selva”. Outro tema do libro, e outra aposta fortemente literaria, são os sonhos. Herzog conta vários, sem descrevê-los como tais. contar os sonhos como se fossem parte de uma realidade é uma forma deliberada de colocar a realidade ao nível onírico a que parece pertencer por momentos”.

Em entrevista, Herzog definiu: “Não é um diário sobre as filmagens, mas uma espécie muito especial de prosa, mais poética, um diário íntimo sobre sonhos febris na selva”.

 

 

A CONQUISTA DO INÚTIL

Autor: Werner Herzog
Editora: Martins Fontes
Preço: R$ 39,10 (336 págs.)

 

 

 

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