Literatura

Entre a maldição e a herança histórica

10 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
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Jacques Resch

A fantástica vida breve de Oscar Wao, do dominicano Junot Díaz, reconhecido pelas críticas elogiosas, foi apontado recentemente como o melhor romance publicado até agora neste início de século 21, por um grupo de críticos americanos de veículos como o “New York Times”, “Time Magazine”, “Newsday”, “Kirkus Review” e “Booklist”, que foram questionados pela seção de cultura do site internacional BBC.

O romance ganhou o Prêmio Pulitzer, em 2008. É o primeiro romance de Junot Díaz, que, dez anos antes, havia publicado uma coletânea de contos, sob o título Afogado.

Ao longo de descrição da vida de Oscar Wao, o autor descreve também a jornada épica da família, de Santo Domingo a Nova Jersey, e seu retorno à terra natal. Paralelamente, traça um panorama da lastimável ditadura dominicana, através da luta da família para sobreviver em momentos históricos cruéis. 

Oscar é um rapaz dominicano, obeso, tímido e estudioso, que vive um gueto, com sua mãe e sua irmã, em Nova Jersey, nos Estados Unidos. É humilhado pelos colegas, por isso vive solitário e busca companhia nas histórias de livros fantásticos e de filmes de ficção científica, sonhando com resoluções mágicas e com o dia em que encontrará um grande amor. As perspectivas não são boas, porém, pois sua família é assolada por uma antiga maldição, ou fukú, como comumente chamada na República Dominicana, passada de geração em geração, condenando seus familiares a prisões, torturas, acidentes trágicos e, sobretudo, a paixões desastrosas.

Apesar de avesso aos padrões estéticos e raciais admirados nos Estados Unidos, Oscar responsabiliza a maldição por seu azar. É interessante, sobretudo, o efeito metafórico desta explicação, pois o fukú seria originado nos navios negreiros, teria, portanto, origem na própria escravidão: sua maldição é a maldição do Novo Mundo.

Entre o silêncio da escravidão, da imigração e o da ditadura, Oscar cala, busca no sobrenatural as justificativas que não lhe cabem em palavras.

A prosa de Díaz tem um estilo próprio envolvente. Radicado nos Estados Unidos desde os seis anos de idade, é atualmente professor de criação literária do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e editor da Boston Review. Tem sido considerado um dos escritores mais promissores de língua inglesa da atualidade.

Segundo artigo publicado na Folha de São Paulo, um dos críticos ouvidos pela BBC acerca de quais seriam os melhores livros publicados até o momento, Gregg Barrios, definiu o livro de Díaz como um “hábil mash-up da história dominicana, quadrinhos, ficção científica e realismo mágico com notas de pé de página”. Outro crítico, Rigoberto Gonzalez, apontou que o romance “re-energizou essas perguntas: quem é americano? Qual a experiência americana?”.

Também na Folha de São Paulo, o escritor Joca Reiners Terron, em artigo aponta que “Díaz elevou com méritos o “spanglish” ao pódio das premiações literárias norte-americanas”. O escritor brasileiro analisa: “Épico familiar cujos meandros estão ligados aos sangrentos episódios da história dominicana da era Trujillo, o romance de Junot Díaz revisa a crueldade do exílio sob ótica pouco usual, que não é estritamente política. Ao mesmo tempo em que as mulheres fantásticas da vida de Oscar (sua mãe, Belicia, e a irmã, Lola, dividem peso de igual para igual com o protagonista -distribuído, porém, em outras partes do corpo que não a cintura) sofrem as agruras da dupla marginalidade da condição feminina e de exiladas, a identidade do rapaz dilui-se na mistura adúltera de tudo da cultura pop anglófila, surgida nos anos 60 (assim como Galactus, personagem de Stan Lee citado logo na epígrafe), transformando-o no herói adequado aos dias atuais”.

A tradução, elogiada, foi realizada por Flávia Rösller. A fantástica breve vida de Oscar Wao no Brasil foi publicado pela editora Record.

 

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Para vocês que perderam dois segundos obrigatórios sobre a história dominicana: Trujillo, um dos ditadores mais execráveis do século XX, governando a Republica Dominicana de 1930 a 1961, com uma brutalidade implacável. Mulato corpulento e sádico, com olhos de suíno, clareava a pele com vários produtos, gostava de sapato plataforma e colecionava acessórios masculinos da era napoleônica. Também conhecido como El Jefe, Ladrão de Gados Frustrado e Escroto, ele chegou a controlar quase todos os aspectos da vida econômica, social, cultural e política do país, por meio de uma mescla poderosa (e familiar) de violência, intimidação, massacre, estupro, cooptação e terror; À primeira vista, era apenas o prototípico caudilho latino-americano, no entanto, seu poder foi tão acapachante que poucos historiadores e escritores conseguiram de fato dimensioná-lo. Foi o nosso Sauron, nosso Arawn, Nosso Darkseid, nosso único e Eterno Ditador, um personagem tão vil, grotesco e perverso, que nem mesmo um autor de ficção cientifica teria concebido o sujeito. Famoso por ter mudado TODOS OS NOMES DE TODOS OS PONTOS DE REFERÊNCIA da República Dominicana em homenagem a si mesmo (Pico Duarte, tornou-se Pico Trujillo, Santo Domingo de Guzmán, a primeira e mais antiga cidade do Novo Mundo, virou Ciudad Trujillo); por monopolizar de forma fraudulenta cada fatia do patrimônio nacional (o que faz dele, de cara, um dos homens mais ricos do Planeta); por transar com toda gata que aparecia pela frente, até mesmo com as esposas dos subordinados, e com milhares e mais milhares de mulheres.”

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oscar wao

 

A FANTÁSTICA VIDA BREVE DE OSCAR WAO

Autor: Junot Díaz
Editora: Record
Preço: R$ 50,00 (336 págs.)

 

 

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