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Um tempo ininterrupto de linguagem

26 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Invenção de Orfeu, escrito em 1952, é um dos grandes poemas da língua portuguesa e testamento literário de Jorge de Lima, considerado o mais imagético dos poetas brasileiros. Retomando o antigo mito de Orfeu, o poema, mistura de épico e lírico, reflete sobre a criação artística, através de imagens poderosas e estranhas, em versos de musicalidade única que dialogam com a lírica de Camões.

Em parceria, as editoras CosacNaify e Jatobá, homenageando a data de sessenta anos de morte do poeta alagoano, publicaram no final do ano passado esta edição especial, que conta com texto e posfácio de Fábio de Souza Andrade – professor da USP –, além de ensaios de Murilo Mendes, João Gaspar Simões e Mário Faustino. A edição traz ainda documentos inéditos: datiloscritos anotados pelo autor, carta de Ezra Pound e reproduções de época.

Marcio Aquiles, crítico da Folha de São Paulo, analisa: “Quantos versos cabem numa ilha? O poema “Invenção de Orfeu”, do alagoano Jorge de Lima (1893-1953), contém aproximadamente 12 mil deles, distribuídos pelos dez cantos da obra que metaforiza numa ilha todo um universo lírico e narrativo”. Aquiles cita Fábio de Souza Andrade: “A obra é resultado de muitas fases sucessivas, do modernismo de primeira hora, do ritmo da dicção nordestina, somado ao gosto pelo surrealismo à moda brasileira. […] Jorge de Lima combina matrizes imagéticas marcantes, como a pastoral bíblica, do sofrimento e da redenção, com a clássica, de epopeias anteriores”.

A invenção de Orfeu une o imaginário clássico ao cristão, uma criação mitopoética, que desarticula a linguagem real buscando o mágico e o irracional através de uma linguagem primordial, que privilegia as metáforas e os mistérios. A imagem de Orfeu simboliza o ato criativo, principalmente enquanto mito da elaboração poética. O longo poema é uma mistura de épico e lírico, escrito com técnicas que abarcam inúmeras formas da tradição. São fortes as presenças do onírico, da religião, do rompimento espaço temporal na poesia, além da linguagem metalinguística da modernidade. O poema, um hipertexto lírico, considerado inaugurador da pós-modernidade na poesia brasileira é, até hoje, um enigma. Nele, não existe um tempo histórico, mas um tempo ininterrupto de linguagem. Um emaranhado de planos e interfaces, que formam um manto linguístico que realiza-se enquanto magia poética.

Segundo o poeta Fabrício Carpinejar, o livro é: “Poesia dentro de poesia, metalinguagem em estado puro. Um testamento coletivo, a biografia de uma fé. O poeta pede perdão em sua derradeira obra. Insinua que o verbo não salva, condena. O escritor seria um condenado. Invenção de Orfeu não é mesmo um épico, mas uma oração. Deus não escreve, tarefa confiada aos seus apóstolos. Somente Jorge de Lima poderia terminar seu livro com “Amém”.

A INVENÇÃO DE ORFEU

Autor: Jorge de Lima
Editoras: CosacNaify e Jatobá
Preço: R$ 48,93 (672 págs.)

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