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Korolenko

2 maio, 2016 | Por Isabela Gaglianone

composição de Ekaterina Panikanova

O autor Vladimir Korolenko (1853-1921) é pouco familiar aos leitores brasileiros. O russo não era publicado por aqui há mais de cinquenta anos. Porém, é considerado autor fundamental, reconhecido por ninguém menos que Liev Tolstói como “um dos principais contistas da literatura russa”. O crítico literário Otto Maria Carpeaux dedicou uma análise ao escritor, que comparou ao inglês Charles Dickens [História da literatura ocidental. Edições O Cruzeiro, 1963. vol. 5], incluindo-o numa linhagem da “literatura de acusação”. Korolenko, nas palavras de Carpeaux: “Foi um realista moderado, de simpatias algo sentimentais para com os sofrimentos humanos, mas sem exacerbar a tendência, até atenuando-a pelo humorismo delicado do estilo. Nenhum outro russo parece-se tanto com Dickens. Todas essas qualidades revelaram-se de maneira magnífica no seu conto ‘O Sonho de Makar’, que o tornou logo famosísismo na Rússia e no estrangeiro”. O crítico pontua ainda que Korolenko “tinha ficado, durante anos, no exílio, na Sibéria; e os seus Contos Siberianos reuniram muito agradavelmente o encanto da paisagem exótica, o interesse geográfico-antropológico pelos povos estranhos daquelas regiões longínquas, a compaixão para com os exilados políticos e o horror do regime tirânico que os exilara. Entre os leitores europeus, Korolenko foi durante muitos anos mencionado ao lado de Tolstoi e Dostoievski”.

A editora Carambaia acaba de lançar uma edição em formato de caixa, que reúne dois formidáveis trabalhos do autor: Em Má Companhia é um romance sobre um menino, proveniente de uma família rica, que se envolve com uma turma de crianças pobres; O Músico Cego, obra mais famosa do autor, narra a história de Piótr Popélski, um garoto que nasce cego e desenvolve grande sensibilidade para a música. A delicada novela, nas palavras do crítico russo Alexandre Skabitchevsky, “é a última palavra da perfeição, uma das obras mais admiráveis com as quais o mundo literário já pôde contar. Impossível pensar em um tema tão simples, com menos artifícios, e ao mesmo tempo uma análise psicológica mais profunda”.

De acordo com Renata Carvalho, em resenha publicada no blog português “Roda dos livros”, O músico cego é um romance “composto por sons, pela multiplicidade de tons sonoros das mais variadas origens, de tudo o que é parte integrante da existência de todos mas que é sentida de uma forma muito particular e intensa por quem não vivencia o mundo através do sentido da visão”. A prosa fluída e poética do autor, diz a crítica, traça um percurso que perpassa “sobretudo paisagens sonoras a ponto de transmitir ao leitor uma sensação forte de imersão num mundo de impressões auditivas. Assim, é-nos transmitida pelo autor, uma forma de percepção da vida e do quotidiano completamente diferente daquela a que estamos acostumados. Korolenko consegue, de modo admirável, levar o leitor a sentir-se momentaneamente cego e imerso num mundo, não de luz e cor, mas sim de som. Por outro lado, este romance apresenta outros aspectos notáveis como a preocupação em educar Piotr de modo a maximizar a sua autonomia e a integrá-lo plenamente nos múltiplos aspectos do dia-a dia a fim de o tornar, não um pária, mas sim um membro activo da sociedade. Igualmente marcantes são as descrições auditivas da natureza bem como dos estados de espírito do protagonista o qual questiona, insistentemente, o propósito da sua vida ao mesmo tempo que sonha com um milagre que lhe permita, ainda que fugazmente, contemplar a luz do calor do sol e também aqueles que ama”.

Para João Armando Nicotti, em comentário crítico também ao O músico cego, em seu blog Fôlego literário, o romance tem eixos psicológico e histórico. No romance, diz Nicotti, “não somente a história heroica do passado ucraniano é resgatada, assim como a canção e cançoneta populares russas são dimensionadas no decorrer do enredo, estimulada para Pedro, principalmente, por outros dois personagens: sobre a historicidade da Ucrânia, a criação do tipo Máximo Mikháilovitch Iatzenko é capaz de passar ao leitor a carga necessária da ideologia “marginal” em tempos da narrativa, com sua participação em batalhas que o mutilam; por outro lado, Jokhime, o mujique, como personagem tipicamente ucraniano em sua brutalidade, produz (depois de tantas tentativas) com elementos da natureza seu instrumento musical, ou seja, uma flauta daquela terra capaz de transmitir todo o sentimento do povo e do mundo ucranianos. A influência do também ucraniano Nikolai Gógol […], na prosa de Korolenko, é incontestável, além de admirável. Curiosamente, estes dois personagens (Máximo e Jokhime) renascem em suas importâncias para o cego Pedro, pois são seus professores que educam a criança cega nas adversidades do mundo dos homens que enxergam, mas não necessariamente veem (no sentido de apreciar) o que está a seu redor. Jokhime inicia o menino cego Pedro na música através da flauta ucraniana; tio Máximo, um inválido de guerra, afirma que talvez saia algo positivo da união entre aqueles dois inválidos no mundo, no caso, ele mesmo, e o filho de sua irmã Ana Mikháilovna”.

Korolenko nasceu em 1853 em Jitómir, território que atualmente pertence à Ucrânia. No início da idade adulta foi estudar em Moscou, onde se envolveu com movimentos estudantis e, por conta do engajamento, foi deportado para a Sibéria. Foi ao longo desse exílio que Korolenko começou a escrever, criando narrativas conhecidas por questionarem as injustiças sociais e os sofrimentos humanos. É, por isso, considerado um precursor da literatura proletária. Chamado por seus contemporâneos de “consciência de nossa época”, obteve tanto a aceitação popular como a dos meios intelectuais.

Nas palavras de Otto Maria Carpeux, “Korolenko é mesmo o precursor da literatura proletária; e os russos nunca lhe retiraram as simpatias. Parecia ‘radical’, mas era, no entanto, antes um liberal sem grandes gestos revolucionários; cultivou a ‘literatura de acusação’, mas sem brutalizar os leitores; parecia ‘naturalista’, mas era antes um realista moderado, encontrando-se com o gosto sentimental das grandes massas e escrevendo num estilo cultivado, que agradou aos intelectuais. Ninguém sabia colher os aplausos unânimes da Rússia como Korolenko o sabia; e quando o seu estilo literário saíra da moda, o escritor passou-se para o socialismo militante; tinha acertado, outra vez. O seu livro de memórias, História do meu Contemporâneo, é uma obra importante e leitura agradável ao mesmo tempo, o testamento de uma época ; e assim será sempre lido”.

 

A Caixa Korolenko teve projeto gráfico elaborado por Elisa Von Randow, responsável também pelas ilustrações que acompanham os livros, feitas por uma composição de papéis picados, rasgados manualmente, depois fotografados. Como todos os títulos da CARAMBAIA, a caixa tem tiragem limitada a 1.000 exemplares, numerados.

A tradução dos dois volumes foi feita por Klara Gourianova.

 

 

CAIXA KOROLENKO – EM MÁ COMPANHIA / O MÚSICO CEGO

Autor: Vladimir Korolenko
Editora: Carambaia
Preço: R$ 118,66 (328 págs.)

 

 

 

 

 

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