Artes Plásticas

Um legado importantíssimo

23 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O Gráfico Amador reúne detalhadamente o registro de todos os impressos produzidos pela gráfica e editora homônima, a lendária oficina de artes gráficas pernambucana fundada por jovens artistas e intelectuais, que iniciou suas atividades em 1954 e as encerrou em 1961. A história é reconstituída, neste livro amplamente ilustrado, pelo designer Guilherme Cunha Lima. Publicado originalmente em 1996 pela editora da UFRJ, o livro acaba de ser relançado, em edição revisada e em cores, pela Verso Brasil.

No volume todas as obras publicadas foram recuperadas. São mais de duzentas imagens, entre livros, gravuras, aquarelas, peças de teatro, boletins sobre tipografia, literatura e teorias literárias. Traz peças literárias raras de escritores como Ariano Suassuna, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Sebastião Uchoa Leite e outros, bem como gravuras, aquarelas, pochoir e obras dos talentosos Reynaldo Fonseca, Adão Pinheiro, Francisco Brennand, e dos ‘gráficos’ Orlando da Costa Ferreira e Aloisio Magalhães.

O Gráfico Amador começou a atuar em uma garagem do Recife, em momento de efervescência editorial no Brasil, na rua Manoel de Carvalho, 423. Ali, foram produzidos de maneira artesanal, utilizando uma pequena prensa manual, livros de excelente impressão e ideias gráficas arrojadas, muito originais e visualmente interessantes.

Aloísio Magalhães, designer pernambucano idealizador da editora, dizia que o projeto partia do interesse em “imprimir com rigor e cuidadosa forma gráfica”. O grupo de intelectuais – além de Aloísio Magalhães, Orlando da Costa Ferreira, José Laurenio e Gastão de Holanda – que liderou a pequena editora-gráfica dedicou-se à criação visual inovadora dos livros, que tinham tiragens minúsculas – variando entre cinco e 120 exemplares. Publicaram 27 livros, três fôlderes, dois boletins e um programa de teatro em oito anos. Segundo o autor, para “as gerações atuais, é muito relevante conhecer essa ligação entre design e literatura. O esforço que marcou aquela época permanece até hoje, quando vemos muitas pequenas editoras fazendo coisa de qualidade”.

A oficina experimental publicou majoritariamente breves textos literários, sobretudo poesia. Tão intencionalmente artesanal era o processo, muitas edições foram numeradas e assinadas pelos próprios autores. Hoje, os primorosos livros e opúsculos publicados formam um capítulo especial tanto da literatura brasileira quanto das artes gráficas nacionais.

O Gráfico Amador não visava obtenção de lucros financeiros, sequer os livros eram comercializados. O sustento da editora dependia de contribuições de seus sócios, entre os quais o pintor e ceramista Francisco Brennand, que analisa, conforme consta em artigo do jornal Folha de São Paulo: “A produção gráfica era muito avançada para a época, muito diferente do que se produzia. O Gráfico fomentou as artes brasileiras”.

Segundo Ana Luisa Escorel,  designer e editora da Ouro sobre Azul, no livro O Efeito multiplicador do design [Senac, 1999]: Com exceção de Aloisio, nesse período ainda um artista plástico, os outros três eram poetas e ficcionistas e pretendiam, ao fundar a editora, criar condições para publicar e distribuir seus próprios textos. No entanto, a maneira como se desenvolveu a experiência atesta a qualidade intelectual desses quatro “mãos sujas”, apelido que pretendia classificar os membros do grupo: os “mãos sujas” punham a mão na massa e a sujavam com as tintas e a lida dos serviços do projeto, composição e impressão; os “mãos limpas” eram os que se limitavam à conversa, ao apoio, à troca intelectual e à criação de material para as edições. Pois bem, não por acaso, entre os “mãos sujas” parece ter se desenvolvido uma consciência aguda das riquíssimas relações existentes entre a produção artística e a seriação industrial”.

O livro O Gráfico Amador  tem valor histórico abrangente, nele o autor realiza um inventário cuidadoso da introdução da tipografia no Brasil e situa o desenvolvimento do livro brasileiro enquanto produto gráfico.

O livro tece considerações interessantes sobre a filiação da editora ao modernismo nordestino de Gilberto Freire, de cunho mais regionalista, e de Vicente do Rego Monteiro, cosmopolita ligado a intelectuais e artistas franceses e a Mário e Oswald de Andrade, em São Paulo. O designer analisa, por outro lado, a influência que a poesia concreta teve sobre a comunicação visual feita no Brasil na segunda metade da década de 60, ilustrando suas afirmações com exemplos expressivos.

Segundo Fátima Finizola, designer gráfica e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Design da UFPE, conforme depoimento citado em artigo do Jornal de Pernambuco: “Além da contribuição para a literatura brasileira, a produção editorial de O Gráfico Amador é referência fundamental para a história do design no Brasil. Aprendemos […] o esmero pela produção editorial na busca de seu primor e, acima de tudo, o sabor da experimentação gráfica e tipográfica, na qual o livro transcende sua leitura linear e torna-se um verdadeiro livro-objeto que nos convida a outras leituras não-verbais”.

 

 

O GRÁFICO AMADOR

Autor: Guilherme Cunha Lima
Editora: Verso Brasil
Preço: R$ 117,50 (176 págs.)

 

 

 

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