Guia de Leitura

Livros que tratam da história do riso e da história das reflexões sobre os seus desdobramentos intelectuais, morais e sociais

17 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Ao longo dos séculos o homem tem teorizado de maneiras diferentes a função e as motivações do riso. Escárnio, zombaria, caricaturas, bufonaria tem sentidos críticos ácidos e profundos: o homem reflete enquanto ri, portanto a história do riso é também uma história das ideias.

 

Georges Minois, “História do riso e do escárnio”

O historiador Georges Minois em História do riso e do escárnio perpassa as diferentes utilizações, ao longo dos séculos, do riso e do humor pela humanidade. O autor pesquisa, assim, a relação entre o desenvolvimento humano social e psicológico e as formas de humor. Para ele, a exaltação ou condenação de formas de humor por determinadas épocas são indicativos de suas respectivas visões de mundo.

Segundo ele, “estamos imersos em uma “sociedade humorística”, como bem analisou Gilles Lipovetsky,- em 1983, em A era do vazio. Uma sociedade que se quer cool e fun, amavelmente malandra, em que os meios de comunicação difundem modelos descontraídos, heróis cheios de humor e em que se levar a sério é falta de correção. O riso é onipresente na publicidade, nos jornais, nas transmissões televisivas e, contudo, raramente é encontrado na rua. Elogiamos seus méritos, suas virtudes terapêuticas, sua força corrosiva diante dos integrismos e dos fanatismos e, entretanto, mal conseguimos delimitá-lo. Estudado com lupa há séculos, por todas as disciplinas, o riso esconde seu mistério. Alternadamente agressivo, sarcástico, escarnecedor, amigável, sardônico, angélico, tomando as formas da ironia, do humor, do burlesco, do grotesco, ele é multiforme, ambivalente, ambíguo. Pode expressar tanto a alegria pura quanto o triunfo maldoso, o orgulho ou a simpatia”.

Como define Minois, o “riso faz parte das respostas fundamentais do homem confrontado com sua existência. O objetivo deste livro é reencontrar as maneiras como ele faz uso dessa resposta ao longo da História. Exaltar o riso ou condená-lo, colocar o acento cômico sobre uma situação ou sobre uma característica, tudo isso revela as mentalidades de uma época, de um grupo, e sugere sua visão global do mundo”.

 

Concetta D’Angeli e Guido Paduano, “O cômico”

Concetta D’Angeli e Guido Paduano, professores da Faculdade de Línguas e Literatura Estrangeiras da Universidade de Pisa, no livro O cômico articulam conceitos estéticos, literários e psicanalíticos para pensar algumas dimensões críticas da risada. Os autores partem do cômico como aspecto fundador da história da literatura, seja através de textos de autores como Shakespeare e Cervantes, seja enquanto subversão popular carnavalesca. Sua análise passa por aspectos do riso levantados por Freud, que o compreendia como um importante mecanismo de defesa, de constituição de autonomia e individualidade. Ao decorrer do livro, perspectiva-se um panorama do cômico na literatura, mostrando como ele satirizou manias, vícios e incoerências políticas e sociais, como ridicularizou a estupidez, possibilitou transgressões, tangenciou a loucura, serviu como via de questionamento sobre a moral, a razão, a morte.

Os autores abordam o riso sob o ponto de vista da inadequação. Alargam a noção do que é o cômico, partindo da definição psicanalítica freudiana, que estabelece o cômico como inapropriado socialmente, como uma criança em relação ao mundo adulto. Segue-se no livro a trilha aberta por Bergson, em O riso, que busca o origem social do riso. Mas, se para Bergson existe uma possibilidade de separação entre a comicidade e a vida, para D’Angeli e Paduano o riso tem necessariamente uma função social e moral, pois é possibilidade de correção da inadequação na sociedade, uma vez que o objeto ridículo é moralmente inferiorizado em relação àquele que dele ri, como uma criança em relação a um adulto. “O conjunto social exprime pelo riso”, dizem os autores, o “confronto de suas partes marginais, que se veem acusadas de não ter atingido o equilíbrio moral e racional que a própria sociedade acredita existir em suas leis escritas e, sobretudo, não escritas”.

 

Verena Alberti, “O riso e o risível na história do pensamento”

Verena Alberti, em O riso e o risível, realiza uma investigação antropológico-social, partindo de textos que são considerados referências clássicas para analisar diferentes teorias sobre o riso e a tensão entre o pensamento e o riso. A autora passa pelos textos de Aristóteles, Cícero, Hobbes, Kant, Darwin, Schopenhauer, Nietzsche, Freud, Bergson

Segunda a autora: “O riso sempre constituiu uma incógnita na história do pensamento ocidental, mais especificamente aquilo que faz o homem rir, o porquê do “próprio do homem”. Essa questão é tanto mais relevante quanto se considere que, além de diferenciar o homem dos animais, o riso foi durante muito tempo aquilo que distinguia o homem de Deus”. 

Em entrevista, Alberti define que o intuito de sua pesquisa foi “mostrar como o riso foi pensado no Ocidente, desde Platão até hoje. É claro que há diferenças importantes, mas também continuidades. Uma das principais diferenças verifica-se a partir do século XIX, quando o riso deixa de ser apenas objeto do pensamento – algo sobre o que os filósofos em geral pensavam, tentando definir de que e por que rimos – para se transformar em conceito filosófico – algo que nos ajudaria a entender o próprio pensamento e as formas de apreender o mundo. Essa ruptura começa em meados do século XIX, com pensadores como Schopenhauer, por exemplo, para quem rimos porque nos damos conta da incongruência entre a razão e a realidade. Ver a severa e infatigável razão fracassar na apreensão das infinitas nuanças da realidade, diz Schopenhauer, é prazeroso para nós e, por isso, rimos. Podemos dizer que essa forma de conceber o riso é relativamente recorrente desde então; é como se o riso nos levasse a uma dimensão mais abrangente do pensamento, porque consegue compreender – no sentido de incluir – todas as incongruências e os não ditos que fazem parte do real, permitindo-nos alcançar o impensado”.

 

Elias Thomé Saliba, “Raízes do riso”

Em Raízes do riso – A representação humorística na história brasileira: da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio, o historiador Elias Thomé Saliba perpassa a história do Brasil sob o prisma do riso enquanto invenção histórica e representante de valores. Analisando como o humor criou-se no Brasil, desde o final do século XIX até a década de 1940, o livro mostra a relação entre a produção humorística brasileira e o processo de modernização do país através da participação na criação de um novo jornalismo e no desenvolvimento de novos meios de comunicação, e como, pelas inovações no uso da língua esta produção também aproximou a cultura escrita da tradição oral.

Saliba analisa o humor na imprensa diária ou semanal, nos palcos dos teatros de revista, nas gravações de discos, filmes e programas de rádio. O período que sua pesquisa cobre, aponta o destaque que a produção humorística teve na vida nacional, ainda que jamais tenha feito parte do cânone de consagração da chamada alta cultura. Ainda que não reconhecidos como tal, as críticas irreverentes dos humoristas, suas brincadeiras com a linguagem e com os costumes, formaram a crônica de um período de profundas transformações históricas no Brasil e inclusive contribuíram para moldar uma identidade brasileira.

O historiador, em entrevista concedida a Márcia Junges, diz que o riso brasileiro nasceu “para compensar um déficit emocional em relação aos sentidos da história brasileira; ela misturou-se à vida cotidiana, daí a sua constante remissão à ética individual. Entre a dimensão formal e pública e o universo tácito da convivência personalista construiu-se uma fragmentada representação cômica do país, dando ao brasileiro, naqueles efêmeros momentos de riso, a sensação de pertencimento que a esfera política lhe subtraíra”.

 

Hipócrates, “Sobre o riso e a loucura”

Escrito por Hipócrates, Sobre o riso e a loucura, livro também conhecido como o Riso de Demócrito, narra uma suposta viagem do médico à cidade de Abdera, feita com o intuito de sanar o filósofo Demócrito, que, repentina porém ininterruptamente, passara a rir de tudo e todos e, por isso, passara a ser considerado louco.

Demócrito, conversando com Hipócrates, trata com zombaria de seu tempo, da vida em sociedade, da ganância e dos vícios. Ao passo que é tratado como louco, o filósofo desenvolve um tratado sobre a loucura, questionando se a viciosa vida social não seria resultado de uma concepção muito mais ensandecida da realidade do que sua amarga e tragicômica reação de riso frente a ela. A hipótese levantada é de suma relevância: que o mundo inteiro esteja doente sem o saber, implica que os homens não sejam capazes de julgar devidamente o que seja loucura ou virtude.

O riso de Demócrito alcança esferas vertiginosamente irônicas e profundamente lúcidas: sua suposta loucura pode bem ser apenas a resultado de um julgamento errôneo feito por seus concidadãos que, incapazes de identificar a realidade, tomam o sábio por louco, e, nas palavras de Hipócrates, condenam aquele que lhes seria de maior proveito. Seu inoportuno riso engloba, pois, também uma questão ética

O livro é composto por um conjunto de textos, escritos como cartas, sendo uma dirigida a Hipócrates e sete, enviadas por ele.

 

 

Sabedoria ou loucura? O riso é o teste da verdade. Das teorias encabeçadas por Aristóteles, Hobbes, Bergson, a história testemunha a rede de diálogos que sobre elas foi tecida. A história do riso perpassa a própria representação do homem no mundo.

 

Send to Kindle

Comentários