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Textos para o nada

16 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

beckett

“Para onde eu iria, se pudesse ir, o que seria, se pudesse ser, o que diria, se tivesse uma voz, quem é que fala assim, dizendo que sou eu?”. O narrador de Textos para o nada, de Samuel Backett, relembra fragmentos de histórias e de lugares pelos quais passou, parado num charco, de onde consegue olhar para o céu: narra sem ter mesmo ao certo nada o que narrar.

Publicado em 1955, este livro radicaliza os experimentos feitos por Beckett na trilogia formada por Molloy (1951), Malone morre (1951) e O inominável (1953). Com tradução de Eloisa Araújo Ribeiro e posfácio de Lívia Bueloni Gonçalves, o livro acaba de chegar às livrarias brasileiras, em edição cuidadosa da Cosac Naify. 

A obra traz a marcante e intensa procura beckettiana pelo silêncio em diálogo com a aniquilação. A falta de sentido do mundo e a futilidade de toda expressão, através de sua prosa esvaziam o universo da narrativa tradicional, criando histórias que giram em falso em torno de uma ausência de enredo.

Aqui, Beckett representa a problemática existência e busca da identidade do eu, a trágica dificuldade do homem de tomar consciência de si mesmo diante da passagem do tempo. Dramatização problemático‑existencial, desenvolvida por entre investigações interiores, que abrem possibilidades, ora líricas, ora cômicas. A narrativa revolve sua própria interioridade e “Como narrar?” torna‑se um problema imanente a ela. O narrador toma para si a tarefa de problematizar a objetividade realista e embate a autonomia suposta do relato.

Por entre a narrativa, os usos do silêncio na obra de Beckett são vivos, quase materiais.

Segundo George Steiner [Tigres no espelho e outros textos da revista The New Yorker, Globo, 2015], “aprendemos que não podemos continuar falando de corpos e almas, de nascimentos, vidas e mortes; temos que dispensar tudo isso e seguir em frente, da melhor maneira possível. “Tudo isso é a morte das palavras, tudo isso é a superfluidade das palavras, não sabem como dizer outra coisa, mas isso não dirão mais”. Eu procuro, diz Beckett, “a voz de meu silêncio”. Os silêncios que pontuam seu discurso, com comprimento e intensidades que parecem modulados com o mesmo cuidado que há na música, não são vazios. Trazem em si, quase audível, o eco de coisas não ditas. E de palavras ditas em outra língua”. Segundo o crítico, no ensaio “Da nuance e da minúcia”: “A guerra vem como uma interrupção banal. Ela cercou Beckett de um silêncio, uma rotina de insânia e dor tão tangível quanto a que se adivinhava em sua arte”.

A Cosac Naify publicou também, de Beckett, as peças Fim de PartidaDias Felizes e Esperando Godot, o romance Murphy – todos traduzidos por Fábio de Souza Andrade, renomado estudioso da obra beckettiana. A editora publicou ainda o monólogo Primeiro amor, sob tradução de Célia Euvaldo e , o ensaio Proust, traduzido por Arthur Nestrovski, mas esgotado. MolloyO inominável e Malone morre [disponível como e-book], foram , junto com a coletânea de textos da última prosa beckettiana Companhia e outros textos, recentemente publicados pela editora Globo, traduzidos por Ana Helena Souza – que também traduziu, para a editora Iluminuras, o romance Como é. Foram traduzidas para o português, ainda, Novelas e o volume que reúne O despovoador e Mal visto mal dito, traduzidos por Eloísa Ribeiro Araújo para a Martins Fontes.

 

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Trecho, não da presente tradução, mas da tradução portuguesa, feita por Maria Jorge Vilar de Figueiredo [Assírio & Alvim, 1958]:

 

“Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininterruptamente, como uma única palavra infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras”.

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textos para nada

 

TEXTOS PARA NADA

 

Samuel Beckett – Cosac Naify – 288 páginas

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