Literatura

O mundo é como o homem

15 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“A cada febre benigna, cada náusea, cada acesso de tosse, eles o velavam como a um moribundo, acolhendo cada cura como um milagre que não haveria de se repetir, pois nada se esgota mais rápido que a improvável misericórdia de Deus.”

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O sermão sobre a queda de Roma, de Jérôme Ferrari, vencedor do Prêmio Goncourt 2012, é um romance cuja prosa, através de uma linguagem torturada – profundamente trabalhada –, desenvolve-se sobre reflexões filosóficas. Permeada pelos Sermões de Santo Agostinho (354-430), a obra é também histórica, criando um contraponto entre as catástrofes do século XX à decadência do Império Romano.

A narrativa tematiza a ausência e a decadência, através da história das escolhas e questionamentos pessoais de dois amigos, Libero e Matthieu, e do idoso Marcel, avô de Matthieu. Desiludidos com a vida em Paris, os dois amigos, estudantes de filosofia, abandonam as rotinas para tornarem-se sócios de um bar, em uma vila da Córsega. Sua mudança começa como uma grande festa. E assim continuaria, não fosse a demolição paulatina de suas ilusões: o romance faz do bar dos dois amigos o ponto de confluência de espectros de desejo e de história. Ao longo dos capítulos, ergue-se uma grande conjunção, das pequenas misérias da vida de aldeia às grandes catástrofes do século XX, a queda do império francês mistura-se ao fim do poderio romano, a figura de um avô amargurado confunde-se com a de um bispo da Antiguidade.

Em entrevista, o autor disse que o mote para o desenvolvimento do livro deu-se ao ler o trecho do Sermão 81, de Santo Agostinho, “o mundo é como os homens: nasce, cresce e morre”. Diz ele: “Juntei a ele ideias sobre as quais vinha pensando e saiu o romance. Mas foi esse ponto de que o mundo é como os homens que me deu a visão do que eu queria escrever.  Me abriu os olhos. E quando me defrontei com a frase, não sabia que era de Santo Agostinho. Ela resume um movimento que pode tanto acontecer no microscópio, como o bar de Libero e Matthieu, quanto com um império, o Império Francês, por exemplo”.

Em outra entrevista, ao jornal O Estado de São Paulo, Ferrari contou: “O que eu pretendi em Sermão era oferecer uma resposta inovadora para a pergunta ‘O que é o mundo?’”. O autor disse, ainda: “Realmente levo a sério as palavras de Santo Agostinho, pois a trama se constrói a partir do nascimento de um mundo representado por diversos personagens, que atingem um apogeu até chegar sua derrocada. Acredito existir uma coerência mecânica, um ciclo de lógica, que regem o funcionamento do romance”. Os ciclos, da narrativa, das civilizações, da vida humana, são tematizados pelo romance em analogias: “Sempre me interessei por esses desastres silenciosos, quando a corrosão só se torna evidente quando o edifício inteiro rui”.

Ferrari nasceu em Paris, em 1968, estudou filosofia na Sorbonne e trabalha atualmente como professor de filosofia em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes.

O livro, publicado no Brasil pela editora 34, com tradução feita pelo professor Samuel Titan Jr., foi um dos destaques da FLIP de 2013.

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“Já não via nele mais que um bárbaro inculto que se comprazia com o fim do Império, o qual marcaria o advento do reino dos medíocres e dos escravos triunfantes a que ele mesmo pertencia”.

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O SERMÃO SOBRE A QUEDA DE ROMA

Autor: Jérôme Ferrari
Editora: 34
Preço: R$ 29,40 (208 págs.)

 

 

 

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