” a pedra lisa tem
escamas “
O interessante livro Totens, de Sérgio Medeiros, foi semifinalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, na categoria Poesia. Seu trabalho desenvolve-se a partir de um inusitado entroncamento, que ele encontra entre a poesia e a antropologia.
Totens reúne dois dos trabalhos mais recentes de Sérgio Medeiros: “Enrique Flor”, que recria uma passagem do Ulysses de Joyce, em que aparece o músico português Flor, especialista em “música vegetal”; o segundo trabalho, “Os eletoesqus”, reinventa uma lenda da fronteira do Brasil com o Paraguai sobre um totem que é o bafo do verão, um sopro ardente.
Interessado nos mitos indígenas, Medeiros defendeu sua tese de doutorado na USP sobre os mitos Jê, em 1995; em 2001, realizou pesquisa de pós-doutorado na Stanford University, Califórnia, sobre o poema maia-quiché Popol Vuh (séc. XVI) (publicado como livro pela Iluminuras), que traduziu, em parceria com Gordon Brotherston.
Como analisou Ricardo Corona, em resenha sobre O choro da aranha, publicada no Estado de São Paulo, “Sérgio Medeiros tem colaborado de maneira consistente para esticar a linha que aproxima a poesia brasileira do conceito de etnopoesia. Isto desde os anos 1990, quando visitou os bororos, “os maiores e os mais bem-feitos índios do Brasil”, nas palavras de Lévi-Strauss. Desta experiência-sintoma com os bororos, Medeiros nos deu a coletânea Makunaíma e Jurupari: Cosmogonias Amazônicas (2002) e não parou mais”. Segundo ele, Medeiros confirma sua “presença singular na poesia brasileira contemporânea, com a translação de textos, a incorporação de oralidades e, sobretudo, uma transitoriedade infraleve entre literatura e infância. Livros envolvidos com o evento, com o rito, nos quais o autor opera com desmembramentos e relações fluídas com a etnopoesia”.
Segundo o crítico e escritor Manoel Ricardo de Lima, o personagem “Enrique Flor” de Totens é um desdobramento “ao infinito da música”, “o abismo construído por ele para adentrar essa paisagem devastada, a dos homens, sem perder de vista, principalmente, um nó problemático que pode ser lido em todo o seu trabalho: o sex appeal vegetal”. O “sex appeal dos vegetais” é uma noção comumente presente nos textos de Medeiros e inseparável do pensamento totêmico; através dela, o poeta dialoga com o filósofo italiano Mario Perniola. Para Lima, Medeiros consegue “tocar mais de perto a alma da mata virgem tropical numa espécie de etnografia torta. Enrique Flor faz parte dessa insuficiência civilizada que, ao chegar aos trópicos, tira a roupa e se refestela com a linha livre de ser quase árvore, quase animal, quase um diabo, quase nada e quase tudo ao mesmo tempo”. O crítico conclui: “que esses dois livros de Sérgio Medeiros, agora reunidos sob este elo de adoção – Totens –, não são uma visão nem uma reiteração da natureza, nem poema, nem narrativa, mas outra coisa, algo como uma interdição de palavra e silêncio nessa paisagem devastada de todos nós, algo como um canto de pássaro na música de Olivier Messiaen, um de seus compositores favoritos. O outro é John Cage”.
Em 2010, Sérgio Medeiros assumiu a direção executiva da EdUFSC , Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, onde também leciona literatura.
_____________
aspirando e mastigando sedosas pétalas amarelas e vermelhas que as abas dos chapéus haviam introduzido delicadamente e repetidas vezes na sua boca o senhor Enrique Flor cantarolou como pôde duas árias ambas tipicamente suas
_____________
Autor: Sérgio Medeiros
Editora: Iluminuras
Preço: R$ 30,80 (184 págs.)