Os nomes Juca e Chico foram os escolhidos pela primeira tradução Max und Moritz, um clássico da literatura alemã infantil, do consagrado escritor e desenhista Wilhelm Busch. A primeira tradução para o português foi feita por Olavo Bilac e publicada pela editora Melhoramentos em 1915; em 2012, voltou às livrarias brasileiras, editada pela editora Pulo do Gato, sob o título Juca e Chico — História de dois meninos em sete travessuras. Ao mesmo tempo, a editora Iluminuras também lançou sua própria edição, com tradução de Claudia Cavalcanti, sob o título As travessuras de Juca e Chico.
O livro, originalmente publicado em 1865, foi a primeira história em quadrinhos publicada.
Seu início apresenta os protagonistas mal educados: “Não têm conta as aventuras, / As peças, as travessuras / Dos meninos mal criados… / – Destes dois endiabrados”.
Como diz a tradutora da edição da editora Iluminuras, Claudia Cavalcanti, considera-se que as endiabradas travessuras são “uma crítica mordaz à burguesia da época (e de sempre), com farpas lançadas ao mundinho dos professores, profissionais liberais e até dos camponeses (classe social significativa na Alemanha do século XIX)”. Para ela, as “atrocidades praticadas pelos dois meninos nos despertam certos sentimentos de vingança, antes indolentes”, porém, “a mais pura verdade é que Juca e Chico se lê como uma grande diversão que atesta o talento de Busch tanto para as artes como para as letras. Torcemos pelos endiabrados meninos e lamentamos a falta que eles farão àquela monótona aldeia depois que o destino lhes prega uma peça”.
Para Eva Weissweiler, autora de uma biografia sobre Wilhelm Busch, o livro não é necessariamente infantil, mas, em primeiro lugar, uma obra política, crítica à sua época. Conforme citada no artigo de Jota A. Botelho, publicado pelo jornal GGN, Weissweiler analisa a importância da obra enquanto retrato histórico crítico: “Nos anos 1860 houve ondas de emigração em massa, das regiões rurais pobres para a América. Havia muitos peões incrivelmente pobres, que simplesmente deixavam seus numerosos filhos para trás. Por isso, milhares de crianças sem pais vagavam de lugar em lugar, em parte se alimentando através de pequenos furtos, como Max e Moritz”. A moral da obra, para ela, seria: “rindo, denunciar as terríveis condições sociais criadas pelos adultos”. No mesmo artigo, Botelho cita também o professor Walter Pape, da Universidade de Colônia, estudioso do autor natural de Wiedensahl, na Baixa Saxônia: “Busch retratou com ironia a burguesia bem comportada, fazendo uma sátira mordaz dos livros infantis de sua época”.
A história sobre os dois garotos desenvolve-se em sete capítulos (sete travessuras, todas cruéis). Depois de matarem as galinhas de uma vizinha, roubam seus assados e os comem, serram uma ponte de madeira, fazendo o alfaiate cair no riacho, colocam pólvora no cachimbo do sacristão, escondem besouros na cama do tio, roubam doces do padeiro e rasgam sacos de farinha: suas maldosas e divertidas estripulias não poupam nada nem ninguém. Baseado na infância de Busch, o texto que acompanha os desenhos é todo em versos rimados.
Segundo Rodrigo Lacerda, no texto de apresentação à edição da editora Pulo do Gato, ainda que “narradas em verso, as histórias são facílimas de seguir. Claro que, como toda boa história infantil germânica, a de Juca e Chico também possui uma forte moral normativa, um fundo simbólico religioso e uma pedagogia castigadora. Por outro lado, as crianças de hoje continuam sádicas, mesmo quando apresentam apenas um sadismo saudável. E nunca aconteceu de eu ler esse livro para uma criança, menino ou menina, e eles não se interessarem pelo frescor das rimas, pelo humor da história, pela
Em artigo escrito para o jornal O Estado de S. Paulo, Aryane Carano aponta que os comportamentos, nada exemplares, dos dois protagonistas, agradaram aos estudiosos de literatura infantil. A jornalista cita a crítica literária Marisa Lajolo, que acha bom que as crianças entedam as maldosas peripécias como atitudes naturais do comportamento humano e também que, porém, há um preço a ser pago por coisas erradas. Para Lajolo, é “um livro divertido, irreverente e destemido. Hoje, você tem tudo muito pasteurizado e, nele, existe a violência, a travessura, a maldade, o castigo”. O livro serve, nesse sentido, como impulso questionador sobre a educação politicamente correta, cada vez mais discutida. A narrativa coloca em questão o próprio papel da literatura infanto-juvenil.
No mesmo artigo, Aryane Carano, também aponta as notáveis diferenças entre as duas edições, apesar de serem traduções da mesma obra. Segundo ela, a tradução de Olavo Bilac é musical, possui rimas frescas e “é perfeitamente compreensível pelas crianças e, mais, brincalhona e provocadora de risos”. A marca contemporânea da editora, ela aponta, está no tratamento das imagens, uma releitura das ilustrações originais. Já a editora Iluminuras, optou pelo caminho oposto: manteve as ilustrações originais de Busch e a tradução, feita pela germanista Claudia Cavalcanti, mantém as rimas mais próximas ao original, tendo um resultado muito diferente do de Bilac.
Para a crítica Maíra Lacerda, em artigo escrito para a revista Emília, em que compara as duas edições: “A escolha por uma narrativa sequencial, com texto e imagem se alternando em uma página dividida em duas colunas, feita pela editora Iluminuras, propicia um tempo de leitura diferente do propiciado pela editora Pulo do Gato, onde a página é, em primeira instância, compreendida como um todo, devido à grande profusão de imagens gerada pela composição das ilustrações em espaços horizontais em contraste com a organização do texto em colunas. As divergências na aplicação da cor às ilustrações originais de Busch também permeiam o poema, provocando sensações diferentes durante a leitura. Enquanto a Iluminuras opta por uma colorização tradicional e de cores vibrantes, a Pulo do Gato apresenta a colorização do traço do desenho, sem preenchimento, como elemento diferenciador das ilustrações que se sobrepõem, trabalhando com uma ampla paleta de cores que se aplica inclusive ao fundo das páginas. Todas essas escolhas e ainda outras, referentes a questões de forma e também a questões de tradução, transformaram um mesmo original em dois livros completamente diferentes, e que, portanto, propiciam leituras diferentes para diferentes leitores”.
AS TRAVESSURAS DE JUCA E CHICO
Autor: Wilhelm Busch
Editora: Iluminuras
Preço: R$ 28,70 (64 págs.)
JUCA E CHICO — HISTÓRIA DE DOIS MENINOS EM SETE TRAVESSURAS
Autor: Wilhelm Busch
Editora: Pulo do Gato
Preço: R$ 39,00 (96 págs.)